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O Jovem Indígena levado a sério

Inovação e tradição se unem nas comunidades indígenas de Roraima, em busca de consolidar as lutas dos povos indígenas do estado

(Foto: Rede Amazoom)

47ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima

Enquanto “Chorão”, cantor e compositor da banda Charlie Brown Jr. adverte: “O jovem no Brasil nunca é levada a sério”, nas comunidades indígenas de Roraima, o assunto juventude é levado MUITO a sério. A importância é tanta que inspirou o tema do 47º Encontro dos Povos Indígenas de Roraima, organizado pelo Conselho Indígena do estado, o CIR.


Com cinco dias de debates e assembleias com diversas lideranças e representações de comunidades variadas, em 2018, o principal encontro do segmento, trouxe como temática a formação da juventude para uma organização forte em defesa dos direitos. E a presença dos jovens estava em todos os cantos do evento.

(Foto: Bryan Araújo)

Lázaro Alexandre

Lázaro Alexandre, de 17 anos, é atualmente coordenador do Núcleo de Juventude da região da Serra da Lua, e relata que a juventude estava esquecida nas pautas dentro das comunidades e que a estratégia agora é ocupar as novas gerações com papéis de protagonismo.


“Nossa prioridade é recuperar e trazer os jovens das comunidades para o movimento. Muitos estavam ‘perdidos’ por conta de drogas e bebidas, então a tarefa do novo núcleo é não apenas fortalecer a juventude e buscar novas lideranças, mas também fazer um trabalho que dê continuidade ao legado deixado pelos tuxauas hoje”.


A juventude tem que se unir


Nayandre Nájelo, de 20 anos, é outra liderança do núcleo e uma das representantes da região do Murupu, e conta como as ações do núcleo têm sido direcionadas em sua comunidade, “muitos jovens na minha região hoje tem um engajamento no movimento. Os desafios ainda são muitos, especialmente em questões territoriais e a formação dos jovens”.


Nas comunidades de todo o estado tem se tornado cada vez mais comum a busca por capacitações. A juventude tem saído para a capital, Boa Vista, em busca dos conhecimentos oferecidos pelo ensino superior e com isso reforçar a luta dos povos indígenas das comunidades.


(Foto: Bryan Araújo)

“Essa busca é algo muito positivo. A juventude precisa estar em uma frente unida. Assim como tem jovens que ficam nas comunidades para fazer trabalhos de mobilização, também é importante a atuação fora. Nós temos muito orgulho daqueles que saem e sempre trazem coisas positivas de volta”.


Consciente, Nayandre tem um sonho atrelado a uma visão, “somos atacados o tempo todo apenas por sermos indígenas. O meu sonho é buscar minha capacitação, fazer curso de direito e poder ajudar o meu povo. Hoje eu sei pouco, mas esse pouco eu aprendi na prática e é o que passo adiante”.


O sistema tem que mudar. Não se pode parar de lutar.


Mário Nicacio, Wapichana da região Manoá Pium, viveu dentro de sua comunidade até os 13, quando encarou um desafio, “eu sempre tive curiosidade de estudar, como eu dizia na época, ‘coisa de branco’, ouvi dizer que os brancos estudavam a gente, que nós éramos objetos de estudo deles. Então eu fui atrás de estudar isso também e ajudar na luta”.


Mário fez ensino médio integrado ao curso técnico em Agropecuária no centro indígena de formação Raposa Serra do Sol, se graduou em administração na Universidade Cathedral e hoje é mestrando na UnB na linha de pesquisa de conhecimento intercultural e sustentabilidade/integração com os povos tradicionais.


Foto: Bryan Araújo

“Fui coordenador local de vários povos indígenas, ainda como jovem. Hoje coordeno mais de 160 comunidades”, Mário conta que a partir das estratégias criadas pelas lideranças, a juventude pôde ter um espaço de voz mais ativo e eficiente.


“Antes não tínhamos muito espaço. As estratégias que eles utilizaram foram de nos inserir nos encontros, nas assembleias e estimular os intercâmbios. Para nos dar maior segurança. Mesmo aqueles jovens que ficam nas comunidades, precisam de capacitação específica para exercer papéis de liderança. Isso fez o movimento crescer”.


Mario ainda deixa um recado de motivação para as novas gerações, “as oportunidades são difíceis, mas estão bem perto de nós. Tenham paciência e cautela, com diálogo e respeito é possível unir os conhecimentos tradicionais com os conhecimentos acadêmicos em busca da garantia de nossos direitos. Hoje nós temos a chance de fazer o papel falar. Essa é uma grande contribuição da nossa geração”.


Juventude é algo sério


Mayra Wapichana também é outra representante da nova geração que já tem feito história no estado. Hoje trabalhando diretamente no CIR, foi a primeira aluna indígena, ingressa através do Processo Seletivo Específico Indígena – PSEI, no curso de comunicação social – jornalismo da Universidade Federal de Roraima, a concluir a graduação.


“Minha conquista foi resultado de uma caminhada no processo das lutas. Comecei a me interessar pela área a partir das demandas que eram apresentadas pelo conselho e a comunicação sempre foi algo que precisávamos melhorar. Em eventos como este sempre quem fazia a cobertura era a mídia de fora e sempre ficava o questionamento, ‘como a imprensa vai cobrir as nossas pautas?’. O jornalismo foi uma demanda trazida até mim”.


A representante também explica sobre como ações afirmativas foram e continuam sendo importantes, “É fundamental ressaltar que o PSEI é uma ação afirmativa. Nós não estamos tirando a vaga de ninguém. Ele apenas garante vagas que são nossas, por direito. Isso é importante, mas não é tudo. É preciso pensar não apenas a entrada, mas também a permanência dos jovens indígenas dentro da comunidade”.

Foto: Bryan Araújo

Jornalista Mayra Wapichana durante a Assembleia dos Povos Indígenas de Roraima

“Quando você muda da sua região para a cidade, passa por um processo de reafirmação de identidade. Passa a ser um indígena no ambiente acadêmico e urbano e ações afirmativas são muito importantes neste processo. Ainda existem muitos passos a serem dados, mas já estamos começando a assumir nossos lugares dentro da universidade”.


Em lugares onde existe pouco conhecimento acessível sobre as questões étnicas, é corriqueiro falas que desconsiderem as populações tradicionais enquanto sua identidade, por julgarem sua aproximação com novas tecnologias ou com os grandes centros urbanos. Em sua fala, Mayra reafirma a importância de aliar as tecnicidades e as tradições no processo de luta pelo direito dos povos indígenas.


“Hoje nós temos acesso aos nossos meios de comunicação, podemos ter um papel protagonista. De dentro das próprias comunidades podemos fazer e enviar nossa mensagem. E assim, a partir disso, valorizar nossa cultura e conquistar respeito”.

(Foto: Kendria Cavalcante)

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