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Ser mulher no contexto da crise: Alba Reyes

Atualizado: 3 de jul. de 2019


Sentada numa cadeira de balanço, em frente ao apartamento de dois cômodos onde vive com seu neto, na Zona Oeste da capital, Alba Reyes responde as perguntas com muita pressa, mas convicta do que quer dizer, tendo certeza de que é compreendida. Enfermeira na cidade de Barcelona, estado de Anzoátegui e hoje diarista, a senhora de 58 anos lista contando nos dedos os desafios que enfrentou e ainda enfrenta em sua jornada como mulher venezuelana no contexto de uma crise humanitária.


É visível que ela tem muito a dizer sobre suas vivências, indignações e esperanças. Ao ser perguntada sobre o que ela entende por ser mulher, respira fundo antes de falar. Com braveza na voz, Alba se posiciona mais para a ponta da cadeira de macarrão e diz:


“Meu filho, com crise ou sem crise, ser mulher sempre foi mais difícil. Casei com 13 anos, com um homem que eu não queria, sofri muito estando com ele, fugi, me casei de novo e tive um filho. Depois de um tempo sofri violência de novo e quando as coisas ficaram difíceis, fui abandonada com uma criança e outra na barriga. (...) Criei meus filhos sozinhos sozinha e até aí você já vê o que ser mulher poder significar, dependendo de onde você vem. (...) Estou aqui, estou viva e sigo em frente”.


Quando o assunto é a crise e seus desdobramentos, Alba mostra a resiliência de uma pessoa que passou por muitas tribulações e, mesmo assim, não se deu por vencida. Seus filhos ficaram na Venezuela e Alba se viu tendo que atravessar a fronteira com seu neto de 8 anos, não em busca de novas perspectivas, mas sobrevivência.


“Querido, se já estava difícil, ficou mais! Não havia comida nos mercados e quem foi contra Maduro foi prejudicado de alguma forma. Uns de forma pior do que outros. (...) Antes perder o emprego do que a vida, como muito perderam, não é? A parte triste foi ver meus filhos fugindo e me deixando. Para uma mãe é difícil essa situação. Fiquei com José, meu neto e estou fazendo o que posso para dar um futuro para ele. (...) Faz meses desde que falei com meu filho mais novo. O mais velho, não vejo desde 2016, meses antes de vir para o Brasil. Dói muito no coração, mas não se pode parar de viver”.


Sorrindo e contendo lágrimas, Alba fala com menos animosidade de seus últimos anos na capital Boa Vista. Entre expectativas não correspondidas, racismo, misoginia e preconceito por conta de sua idade, ela conta que, com sua experiência de vida, poucas coisas poderiam ‘derrubá-la’.


“Eu ouvia dizer que vir para o Brasil era uma opção para recomeçar (...) Eu esperava o novo. Também ouvi falar que os irmãos brasileiros eram solidários e dispostos a ajudar, mas nem todos foram assim. (...) Aqui não posso exercer meu trabalho, que é enfermeira. Mas preciso sobreviver, então faço qualquer coisa: cuido de crianças, limpo, cozinho… O que for preciso (...) Foi difícil no início porque não sou jovem. Pessoas jovens conseguem trabalho mais rápido. Mas se você for uma mulher, jovem, da Venezuela, pensam e dizem que você é garota de programa. É difícil pra todas nós, em qualquer idade. (...) Aí, se você tiver a pele negra como a minha também é difícil. Aqui eles pensam que somos bandidos, que vamos roubar. Sei que existem algumas pessoas más, como existem em todo lugar, né? Mas todos somos julgados. (...) Encontrei pessoas boas que me ajudam até hoje e sou grata por isso. Passei por muita coisa para desistir agora. Desistir não é opção”.


Obstinada, após seu relato, Alba se recompôs e com um sorriso no rosto perguntou se poderia ajudar em algo mais, porque tinha que pegar seu neto na creche. Pedimos que ela dissesse, ao final de tudo, como ela se sentia em relação ao que viveu, vive e ainda viverá. Ela diz que não pensa nisso e nem quer pensar, pois não quer perder seu foco.

“Filho, hoje sou grata pela minha vida e a vida do meu niño. O passado foi difícil e o presente ainda pode ser um pouco difícil. Mas não se pode desistir. Se você pensar na tristeza você volta a vivê-la. Isso prende você ao passado e viver no passado não garante a sobrevivência hoje. Tenho teto, comida e saúde e meu neto também. É motivo para ser grata, não é? (...) As mulheres de verdade sobrevivem na crise. Sobrevivemos a coisas muito ruins desde sempre e continuaremos lutando”.


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