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  • Foto do escritorCarol Domingos

“Não tenha medo da sociedade, confie e acredite em você” diz Miss Trans Indígena de Roraima

Paola Abache foi eleita miss trans da parada LGBTQIA + 2023


Paola Abache durante o concurso de Miss. / Foto: Benjamin Santiago


A diversidade e a luta pela igualdade de direitos da comunidade LGBTQIA + têm ganhado destaque em todo o Brasil, e Roraima não é exceção. Neste ano, a Parada LGBTQIA + do estado se tornou um marco da celebração da diversidade e da visibilidade para as pessoas transgênero. A vitória de Paola Abache, uma imigrante venezuelana, é um exemplo poderoso desse movimento contínuo em direção à inclusão e ao reconhecimento das vozes trans na sociedade.


Em busca dos seus sonhos, a jovem de 23 anos percorreu mais de 1486 km para chegar em Boa Vista. Com um sorriso estampado em seu rosto e a multidão comemorando a sua premiação, a Miss celebra com muito amor e orgulho a faixa atravessada em seu corpo, o símbolo de uma grande conquista realizada com muito esforço e garra, vestida em um deslumbrante vestido rosa, sua cor favorita, ela se tornou um triplo símbolo de resistência no país que mais mata pessoas trans no mundo.



Em depoimento a Carol Domingos e Yasmim Trindade


Eu me chamo Paola Abache, sou imigrante venezuelana, indígena da etnia Warao e tenho 23 anos. Venho de um vilarejo muito pequeno chamado Araguabisi. A minha história começa quando eu saí da minha terra com 11 anos de idade. Para seguir meu sonho de ser modelo, pois a minha família, por ser conservadora, não me apoiava, mas mesmo assim nunca desisti. No entanto, tinha duas primas que me respeitavam e me aceitavam; andávamos juntas, tomamos banho e brincamos também.


A minha comunidade era tão isolada que ficava bem perto da Guiana e era rodeado pelo Rio Araguabisi, dava para avistar as montanhas e as serras de longe. A locomoção para outra cidade era feita através de canoas, e dependendo do lugar, às vezes levava mais de dois dias de viagem para chegar no nosso destino final.


Quando eu saí da comunidade, eu passei por esses obstáculos, fiquei dois dias navegando até chegar em Delta Amacuro, um estado da Venezuela, parei no município de Antonio Díaz.


Ainda na Venezuela, eu tive contato com um amigo chamado Wildemar Martine que morava em Boa Vista. Eu só conversava com ele quando emprestava o celular de outra pessoa e perguntava como estava a situação do Brasil, como as mulheres trans eram tratadas aqui em Boa Vista; ele me dava um feedback. Foi quando me animei a vir.



A mudança para Pacaraima em 2019


O motivo pelo qual migrei para o Brasil foi buscar melhores condições de vida e realizar meu sonho. Durante o período em que eu morei na Venezuela, eu estudava para ter um futuro melhor, visto à difícil situação no país.


Quando estava em Pacaraima, onde vivi um ano, comecei a me interessar mais pelo mundo da moda, pensei pela terceira vez em ir embora, foi quando decidi partir de vez. Para pagar a minha passagem até Boa Vista, eu vendia comida e tive que vender até dar a quantia do ônibus.


Cheguei em Boa Vista em agosto de 2020, morei no abrigo chamado Nova Canaã, no bairro Asa Branca, onde eu fiquei sete meses. Durante esse tempo, trabalhei no abrigo como "Cacique".


"Cacique" dentro do abrigo é um líder, como se fosse um Tuxaua aqui em Roraima. Quando comecei a trabalhar, não tinha muita facilidade, pois as pessoas não me aceitavam por ser uma mulher trans. Para ser líder precisava ser maior de idade; fui a líder mais jovem.

Paola Abache relatando sobre a sua experiência como Cacique. / Foto: Pedro Alencar


Eu queria morrer homem, mas lutei, trabalhei com a minha comunidade LGBTQIAP+ e aprendi a me aceitar. Aonde eu ia, me apresentava como cacique porque as pessoas precisam respeitar, amar e valorizar nós as mulheres trans. Temos que ter respeito, pois somos pessoas, humanas de carne e osso, com pensamentos e cérebro, prontas para lutar.


Depois disso, fui aceita aos poucos quando viram que eu estava dedicada e lutando pelo povo. Trabalhava sozinha, pois ser cacique é um trabalho grande, um compromisso enorme, mas nós refugiados precisamos nos unir.


Decidi sair da minha comunidade indígena, lamentavelmente, porque não aceitam mulheres trans, por conta da religião/cultura. Eu passava todo o tempo sozinha e escondida, vestia-me de homem, não me maquiava. E também, não deixavam eu andar com outras meninas e nem com mulheres, porque falavam que eu era homem.


Dentro do abrigo, trabalhava como voluntária, inicialmente na Fraternidade e depois na AVSI Brasil. Quando os abrigos fecharam, mandaram todos os indígenas para esse abrigo no Rondon 1 - Waraotuma a Tuaranoko, que significa “lugar de repouso até que possa partir para outro” na língua Warao.



O interesse pelo mundo de Miss


A minha história de miss começou quando eu era pequena, com meus seis anos. Ultimamente, tenho seguido a Mari Wapichana e a Lilith Cairú, que são as minhas inspirações. Vi a Lilith postando sobre o concurso e mandei mensagem para ela dizendo que queria participar; então, ela me enviou um link para me inscrever. Lilith perguntou se eu sabia modelar, e eu respondi que sim, já tinha participado de outros concursos e tinha experiência como modelo. Sempre quis ser modelo.


Todas as meninas à minha volta tinham patrocinadores, exceto eu. No dia do evento, estava super nervosa e me esforcei muito. Fiz a minha própria maquiagem, comprei o meu vestido sozinha. Tinha que ter dois vestidos; a cor do meu vestido era rosa, minha cor favorita. Quando comecei a desfilar, estava nervosa, claro, pois era minha primeira vez participando de um concurso com muita gente. Falei para mim mesma: "Hoje é minha noite, brilhe e arrase," e foi o que fiz.


À esquerda, Paola Abache na convocação a finalista do concurso. / Foto: Benjamin Santiago


Quando anunciaram a coroação, não acreditei porque a cerimonialista me confundiu com outra pessoa e depois corrigiu. Minha mente estava perdida; não acreditava quando colocaram a faixa transversal no meu corpo, só ficava mais nervosa. Me perguntava: "Eu ganhei?"


Eu só queria gritar, correr, chorar... queria abraçar a multidão, mas mantive a postura. Este é o exemplo que deixo para a sociedade: você não precisa concordar, mas sim respeitar.


Há muitos jovens que querem seguir seus objetivos, e eu digo para você, siga, segure firme em você. Não importa a cor, religião ou a classe social. Você precisa lutar e trabalhar para realizar seu sonho de cabeça erguida. Não tenha medo da sociedade; confie e acredite em você.


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