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  • Foto do escritorYohanna Emmelly

LGBTQIA+: a luta para usufruir os direitos que deveriam ser garantidos por lei

“A gente sempre quis estar no meio da sociedade trabalhando com a mesma igualdade”, diz Jhonatan Calel


Por: Aysha Estrada, Daniela Batista, Fernanda Fernandes, Grazy Maia e Yohanna Menezes

Foto: Grazy Maia

O que se sabe historicamente sobre a luta por direitos de gênero é que eles nunca estarão garantidos se não estiverem definidos por leis. No Brasil, por exemplo, existem várias questões ligadas à população LGBTQIA+, que são interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), como é o caso da adoção, do casamento e até mesmo a interpretação de que a homofobia é um crime equiparado ao crime de racismo.


“Não existe uma lei específica que trata de todas essas pautas mas utiliza-se dentro do direito, analogias, comparações e através desses comparações, passa a fazer direito para todo o público LGBTQIA+, como por exemplo, no caso da transfobia e homofobia, que é comparado e igualado ao crime de racismo”, frisou o advogado Weligton Sena.

O crime de racismo está em lei, o crime de homofobia e transfobia não. Essas são sérias questões, porque uma interpretação pode mudar dependendo da composição do STF. A historiadora e poeta Eli Macuxi relata sobre essa instabilidade.


“São decisões muito frágeis, ainda há muito pra se lutar pelos direitos da população LGBT e garantir que esses direitos estejam de fato assegurados por lei e também pelas práticas, por não basta ter só a lei, tem que ter a execução da lei como punição pra quem não cumpri e para quem gera discriminação e preconceito”, destacou.

Ela também enfatiza a influência do que chama de BBB, que tem como significado, a bíblia, a bala e o boi. Seria a representação dos grupos dentro do Congresso Nacional que definem as pautas discutidas.


“Nosso Congresso é extremamente conservador e que se agarra na pauta moral anti-LGBT para defender e manter o seu poder. O desafio da população LGBT é garantir os seus direitos e colocar mais representantes favoráveis no Congresso Nacional porque não adianta ser do movimento e ser contra os direitos dessa população, pois muitos estão em partidos conservadores que continuam fazendo suas pautas em cima dessas questões imorais e contra o avanço dos direitos por igualdade”, comentou a historiadora.

Veja alguns direitos conquistados ao longo dos anos pela comunidade LGBTQIA+:




Resistência


O ativismo das causas LBTQIA+ está além do mês do orgulho. Na briga por políticas públicas e terem suas vozes ouvidas, instituições tentam organizar suas pautas para buscar a igualdade de seus direitos.


A Associação Grupo Athenas Cores (Aterr) foi fundada em fevereiro de 2012, antes era Associação de Luta pela Igualdade Sexual do estado de Roraima (LIS), é uma organização sem fins lucrativos que luta pela cidadania e direitos humanos dos LBTQIA+. Iniciou como um grupo de mulheres querendo montar uma organização para direcionar as políticas públicas e a fala para a população de mulheres lésbicas no estado, mas com o passar do tempo passou a abranger outros públicos.


A instituição teve papel importante na criação do Conselho Estadual LBGTQIA+, no qual possui uma cadeira dentro do conselho. A tesoureira e uma das fundadoras Lourdes Icassatti é advogada e realiza o assessoramento jurídico da instituição. Ela também fundou a Comissão da Diversidade Sexual da OAB no estado de Roraima.


Athenas Cores se propõe a orientar a população, que muitas das vezes, desconhece seus direitos. A associação ao grupo ocorre gratuitamente, de forma presencial ou diretamente pelo site da Aterr. Os documentos necessários durante o procedimento, são a identidade, o CPF e o comprovante de residência.


O presidente da Aterr, Thannara Souza, diz que apesar das dificuldades enfrentadas pela comunidade, os avanços nas pautas e no reconhecimento de seus direitos teve grande avanço no Brasil em relação a outros países, ressaltando também a importância do papel das instituições, como a Aterr, para a garantia de que os direitos sejam cumpridos.


“Apesar do estado ainda ser homofóbico, existem muitos avanços no Brasil, porque em muitos países, ser da comunidade LGBT é considerado crime. As instituições têm o papel de propor legislações, brigar para que as legislações que existem sejam respeitadas”, finalizou.

Thannara Souza, presidente da Aterr (Foto: Daniela Batista)

Doação de sangue


Até o 2020 as pessoas declaradas homossexuais não eram permitidas a doar sangue, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, declarou a inconstitucionalidade do art. 64, IV, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde, e do art. 25, da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.


Logo, os hemocentros passaram a aceitar que pessoas assumidamente homossexuais pudessem doar. A assistente social do setor de Captação do Hemocentro de Roraima (Hemoraima), Rafaela Pessoa, relatou que as doações sanguíneas feitas pela comunidade LGBTQIA+, passou ser "aceitável", algo que não ocorria nos anos anteriores.


“Era determinado que esse público não tinha o perfil para a doação de sangue, mas graças a Deus que isso já foi derrubado e eles podem doar normalmente”, explicou.

Isso iniciou na década de 90, a população LGBTQIA+ foi culpabilizada pela disseminação da AIDS e HIV, e impediu que essas pessoas doassem.


Em conversa com a equipe de reportagem, Jhonatan Calel, farmacêutico bioquímico e vice-presidente da Aterr, contou como funciona o processo de doação e a descriminação sofrida pela comunidade.


“A gente sempre quis estar no meio da sociedade trabalhando com a mesma igualdade. A doação sanguínea é uma conquista que vem de uma briga muito grande dos anos noventa pra cá. Então vinha aquele critério de avaliação e isso atrapalhava um pouco porque a população em si não tinha esse costume de ter um único parceiro e não podia fazer a benfeitoria ali pra sociedade que estava precisando porque um dos quesitos ao qual era pedido no formulário era a obrigatoriedade de um mesmo parceiro durante o período de um ano”, contou Jhonatan Calel.

No entanto, os procedimentos de avaliação realizados pelas pessoas heterossexuais seriam os mesmo pelas homossexuais. É somente após o resultado do exame que o paciente recebe a doação, como prevenção contra as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).


“O formulário de preenchimento e os critérios hoje em dia, digamos que global independe da sexualidade da pessoa, da identidade de gênero, coisa do tipo. É o mesmo formulário que uma pessoa heterossexual vai responder, uma pessoa gay, lésbica, bissexual, com panssexual, também vai estar respondendo. Por que de fato, simplesmente porque quando você faz a doação de sangue você colhe amostras e essas amostras vão ser analisadas através de exames laboratoriais. Então, qualquer pessoa pode ter qualquer patologia”, explicou farmacêutico.

Em caso de rejeição dessa população por parte dos hemocentro é considerado descumprimento a decisão judicial, portanto apto a denúncia em ouvidoria, no Ministério Público e até reclamação constitucional na própria Corte.


Além disso, o farmacêutico conta que é doador pelo Hemocentro de Roraima, porém há uns anos enfrentou dificuldades para realizar as doações.


“Eu sempre tive vontade de doar, mas naquela época a minha orientação sexual era muito criteriosa. Quando eu passei pelo processo transsexualizador, a gente não tinha um acolhimento bom e ainda eu não pude doar, porque eles alegavam que precisava ter um parceiro fixo durante um ano”, relatou.

Segundo Jhonatan, após a ementa imposta pelo STF, o acolhimento ao público LGBTQIA+ melhorou.


“Hoje a gente doa sangue sem passar por nenhum tipo de preconceito. Ajudamos pessoas e somos ajudados com os resultados dos exames de procedimento. Sempre é bom saber se tem alguma coisa errada com a gente”, concluiu.

Assista a entrevista completa de Jhonatan Calel:


“Cura Gay”


Em 1999 o Conselho Federal de Psicologia proibiu que os profissionais da área promovessem terapias de reversão sexual, conhecidas como “cura gay”.


“Depois de muitos anos de práticas, de pesquisas científicas a respeito da homossexualidade do ser humano, ficou claro que isso causou mais prejuízo às pessoas, do que fez aquilo que eles queriam, que seria a reverter a sexualidade. Então, após todo esse equívoco, chegou-se à conclusão de que a orientação sexual não é uma doença, portanto, não tem cura”, disse a psicóloga Anieli Bezerra, citando a ansiedade, a depressão e até o suicídio como consequências da tentativa de reversão.

Eli Macuxi destacou que a insistência de psicólogos nessa questão acabam gerando problemas ao paciente que abre mão da sua sexualidade para se encaixar em um padrão.


“É importante que no Brasil o Conselho Federal de Psicologia tenha se posicionado contra essas práticas e é necessário assegurar que isso continue sendo considerado algo fora da lei”, comentou.

Anieli Bezerra recomenda que psicólogos ou psiquiatras que fomentam a homofobia sejam denunciados ao conselho.


“Se a partir de 1999 a ciência diz que é homossexualidade não é uma doença. então a cura gay não existe. A sua sexualidade é uma condição do ser humano e não uma doença patológica”, pontuou.

A profissional também critica o fato de que ainda hoje, parte da sociedade insiste em uma possível reversão. E afirma que pessoas preconceituosas devem ser punidas na forma da lei.


"É o caminho que se pode seguir para a diminuição do preconceito, demonstrando que isso é um problema que mata. Homofobia não é uma opinião para sair fomentando por aí, homofobia é violência, é crime. A gente precisa denunciar!”, finalizou.

Ouça a entrevista completa com a psicóloga Aneli Bezerra:


Casamento Homoafetivo


Desde 2011, a união estável ​​entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade no Brasil. Em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equiparar as uniões entre pessoas do mesmo sexo, através, dos acórdãos da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 132/RJ) e a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4277/DF), reconhecendo que a diferença de tratamento jurídico das uniões estáveis ​​estabelecidas por pessoas do mesmo sexo é inconstitucional.


Thannara, presidente da Aterr, comenta que a conquista não foi concedida através do estado brasileiro e sim através de reivindicações e cobrança do movimento, para que a constituição fosse cumprida.


“O Brasil não é um país tão laico quanto se diz, o contexto religioso acaba chocando com os direitos civis da população acerca da sexualidade. Algumas leis, como o casamento, são um debate jurídico envolvendo casais que passaram a buscar seus direitos perante a justiça que vendo essa demanda gerou uma súmula vinculante, ou seja, começou a reconhecer primeiro o contrato civil e depois a união civil das pessoas do mesmo sexo, então é uma conquista do nosso movimento e das pessoas que entraram com ações no âmbito da justiça”, destaca.

O empresário Gael Alves conta que ele e seu parceiro Hudson Araújo, decidiram se casar logo após a decisão do STF, e foram o primeiro casal a oficializar a união homoafetiva do estado de Tocantins.


“O casamento foi um sonho, e uma quebra de paradigmas, fomos os primeiros a oficializar a união em nosso estado, logo após o nossa união tiveram vários outros, creio que muitos tomaram a coragem de fazer o mesmo” destacou.

Quando perguntado sobre o que motivou o casal a oficializar a relação, Hudson mencionou que a ideia surgiu da necessidade de ter segurança e apoio.


Quando a gente decidiu se casar, meu parceiro tinha ficado doente e eu não pude ficar perto dele, apesar de tudo, tive que falar com a família dele para ficar com ele. E naquele dia eu decidi que por mais que a gente estivesse por 3 anos juntos não valia de nada, porque não existia nenhum papel afirmando que a gente estava junto”, expôs.

Gael falou ainda sobre os processos pelos quais passaram durante a emissão da certidão de casamento.


“O processo foi bem fácil, não encontramos nenhuma interferência ou dificuldade. Como éramos os primeiros casais homoafetivos do estado, os cartórios não estavam acostumados ou adaptados para esse processo. Só nossa carteirinha de casados teve que ser emitida três vezes por erro na escrita, tudo vinha ‘ela’ em um de nossos nomes”, comentou.

De acordo com Hudson, o casamento entre casais homoafetivos é um ato político, pois através dele, podem usufruir da mesma segurança de estabelecimento de uma família e assegurados como tal.


“O casamento traz essa segurança para a gente na questão jurídica de sermos iguais, hoje a gente tem plano de saúde conjunto, conta corrente em conjunto, meu marido é dependente em muitos documentos meus e isso sem documento para afirmar isso jamais poderia acontecer e eu nem ser dele, então a gente precisa do casamento com forma de segurança”, concluiu.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) redigiu a Resolução 175/2013, que regulamenta o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, obrigando os cartórios a celebrar a cerimônia e converter as uniões estáveis ​​de pessoas do mesmo sexo em casamentos. Essa decisão quebrou o paradigma enraizado nas instituições familiares tradicionais. Nesse sentido, do ponto de vista jurídico, não há mais diferença entre casais afetivos heterossexuais e homossexuais. Ambos estão em pé de igualdade.


Casamento Gael e Hudson (Foto: Arquivo Pessoal)

Nome Social


Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que pessoas transgêneros, façam a troca do seu nome no registro civil, não sendo necessário a cirurgia para troca de sexo ou tratamentos hormonais. Sendo assim, o indivíduo poderá dirigir-se ao cartório para realizar a mudança para o nome social.


Segundo a decisão do STF, o transgênero tem o direito da alteração do pronome e da classificação de gênero no registro civil, em que poderá trocar ou manter a sua identidade de gênero.


A jornalista trans não-binária Ghenn Nicáccio, relata que há oito anos utiliza o nome social. Mas faz dois meses que solicitou a alteração do seu nome no cartório de Boa Vista, mas foi negado.


"O cartório daqui não tem muito conhecimento sobre o LGBTQIA+. Quando eu preenchi o meu formulário eu coloquei que eu era uma pessoa não-binária. Eles negaram porque segundo eles, eu não era uma pessoa trans, e sim uma pessoa não-binária. Mas uma pessoa não-binária se encaixa no termo trans”, relatou.

Apesar da existência da legislação, a jornalista conta que ao solicitar a mudança do nome no seu registro, o cartório exigiu a troca de gênero.


“Além da alteração do meu nome da retificação, eu pedi mantivesse o meu sexo masculino. E aí, eles queriam mudar para feminino. Eu recusei, porque eu sou uma pessoa trans não-binária e não estava fazendo mudança de sexo, eu queria apenas fazer a mudança do nome”, contou.

O advogado Welington Sena relata que a ex-presidenta, Dilma Rousseff, assinou o decreto 8.727/2016, em 28 de abril de 2016, que permite o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.


“O direito permite que qualquer ser humano possa se identificar e até mesmo alterar a sua identidade, o seu nome, da forma que bem entender e se identifique. Essa alteração pode ocorrer no nome e inclusive no sexo. Ainda que possua um órgão sexual do gênero masculino ou feminino e não se identifique, isso deve ser reconhecido e aceito pelos órgãos reguladores”, esclareceu o advogado.

A entrevistada conta, que caso a sua solicitação de troca de nome seja negada novamente, ela entrará com uma ação judicial, pois foi contemplada pelo projeto Bicha da Justiça, que visa atender pessoas LGBTQIA+ de todo Brasil, para custear a alteração do nome.


“Entramos com um recurso administrativo e caso negue, vamos entrar com um recurso judicial, que será custeado por esse projeto. A defensoria faz esse procedimento, mas essa instituição abriu um edital e eu aproveitei a oportunidade, pois tinha prioridade eram pessoas trans e indígenas da região norte”, relatou.

Além disso, Ghenn fala da importância do uso do nome social para a população LGBTQIA+.


“O fato de você ouvir um nome que não te representa, que não condiz com a tua imagem, aquilo machuca muito. E a gente poder utilizar o nosso nome social, é maravilhoso. Faz bem para nossa autoestima, para nossa saúde mental. Faz com que você se sinta bem, nos ambientes onde você é respeitada e a gente poder utilizar faz com que sejamos incluídos em qualquer ambiente, seja no hospital, na escola e no trabalho”, concluiu.

Escute a entrevista na íntegra com Ghenn Nicáccio:


A equipe de reportagem entrou em contato com o representante do Cartório Loureiro, localizado na Av. Ville Roy, mas não obteve informações ou autorização para gravar.


Confira a entrevista completa com o advogado Wellington Sena para saber mais sobre o direitos da Comunidade LGBTQIA+


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