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  • Foto do escritorFabio Almeida

Governo de Roraima quer retirar exigências ambientais da Lei de Terras


A gestão estadual roraimense encaminhou, em 06/01/2024, a Casa Legislativa, em caráter de urgência, o projeto de Lei 002/2024 promovendo a segunda grande alteração na Lei de terras do estado de Roraima. A legislação regula o processo de acesso da população aos lotes rurais, ao estabelecer uma regulação em torno de normas que disciplinam todo o processo de distribuição de terras e regularização fundiária. A proposta altera a legislação vigente, Lei 976/2014, em 14 artigos, além de excluir um parágrafo do artigo 67, da Lei 1.063/2016.


Uma das principais alterações propostas consiste em retirar exigências ambientais do processo de titulação de terras. A legislação vigente, no artigo 36, estabelece que durante a vigência de cláusulas resolutivas, no processo de regularização fundiária, for identificado desmatamento considerado irregular em áreas de preservação permanente ou de reserva legal, após a realização de processo administrativo, poderá ser rescindido o título de domínio ou o termo de concessão de uso, em favor do Estado.


A proposta encaminhada, pelo governo do estado, retira essa condicionante, possibilitando um descontrole do desmatamento ilegal e a entrega de títulos definitos em áreas que não respeitam as normas ambientais. A cláusula restritiva impunha uma orientação importante no tocante à defesa ambiental das áreas estabelecidas no código florestal, Lei 12.651/2012. Em dezembro de 2022, o legislativo estadual aprovou uma legislação, já normatizada pela FEMARH, que reduz, nas áreas de floresta, a reserva legal de 80%, para 50%, reduzindo a cobertura florestal em mais de 16 mil km². A retirada da restrição da prática de crimes ambientais para recebimento do título definitivo consiste na prática em um retrocesso legislativo.  


Outra alteração muda o artigo 49, da Lei 976/2014, excluindo a exigência de que os laudos de vistoria, elaborados pelo Iteraima, devam obrigatoriamente conter a existência ou não de condutas lesivas ao meio ambiente, nas parcelas de terra em processo de regularização. Esse retrocesso inibe que o Estado possa cumprir suas obrigações quanto à garantia de direitos dos requerentes, bem como de exigir as devidas recomposições ambientais, quando da identificação de crimes cometidos anteriormente ao processo de regularização da propriedade.


Desintrusados


A Lei de terras de Roraima já estabelecia no artigo 78 um regramento específico aos proprietários de terras que foram retirados de terras indígenas homologadas. Atualmente, garante-se a isenção da obrigatoriedade do valor da terra nua, até 2.500ha, no processo de realocação dessas famílias, tendo em vista que a Lei 976/2014 permite parcelas de terras desse tamanho. Ou seja, se no processo de realocação fundiária, os relatórios expedidos pela Funai apontassem parcelas de terra superiores, seria o proprietário obrigado a pagar o valor da terra nua que excedesse o limite legal. Na proposta do governo esse limite deixa de existir, tendo o desintrusado o direito à isenção em toda área identificada pela Funai.  


A atual legislação roraimense prevê no parágrafo 4°, do artigo 78, que a isenção dos valores a serem pagos pela terra nua, estenda-se aos adquirentes dos direitos dos desintrusados. Ou seja, a comercialização de papel é admitida pela atual legislação. No entanto, quando o governo exclui o parágrafo segundo, do artigo 78-A, acaba com a regulação do direito dos proprietários retirados de terras indígenas doar, ceder ou alienar seu direito estabelecido de ser reassentado em outra parcela de terra, essa é uma das mudanças propostas por Denarium. 


Retrocessos administrativos


A proposta encaminhada apresenta retrocessos no processo de gestão fundiária do estado de Roraima. As medidas ampliam o processo de risco na regularização fundiária, fragilizando os atos administrativos, e possibilitando a regularização de terras ocupadas irregularmente. A exclusão, no artigo 33, de seu inciso II, retira a obrigatoriedade dos laudos de vistoria serem realizados por servidores do Iteraima, abrindo a possibilidade da terceirização destes serviços, debilitando o processo de gestão e ampliando os riscos de fraude, mesmo que seja adotado como referência, na regulamentação proposta pela nova redação, o credenciamento de empresas e técnicos aptos a realizarem os serviços. Problemas sérios já ocorrem, no Estado, com a terceirização do georreferenciamento.


Outra mudança significativa que fragiliza o processo administrativo de regularização fundiária refere-se à desobrigação da emissão do parecer técnico quanto aos cumprimentos das exigências previstas no artigo 29, da Lei 976/2014, seja expedido especificamente pela diretoria fundiária. A nova redação, do inciso terceiro, do artigo 34, permitirá que qualquer servidor do Iteraima possa expedir o referido documento técnico, fragilizando o processo de análise da documentação apresentada e os atuais sistemas de controles existentes.


A atual legislação estabelece no artigo 30-A a vedação da cobrança de outros documentos, além dos exigidos no artigo 30, para início do processo de regularização fundiária. A alteração proposta estabelece que normativo interno do Iteraima poderá exigir outras comprovações documentais, além das estabelecidas na Lei que são: carteira de identidade; CPF; comprovação de estado civil; declaração contendo a qualificação do interessado, a localização da terra, suas características, limites e confrontações do imóvel; certidão negativa ou positiva com efeitos negativos da fazenda pública de Roraima, exceto para áreas de até 4 módulos fiscais; declaração do interessado de que não foi contemplado em programa de reforma agrária; e comprovação de ocupação do imóvel para áreas que excederem 4 módulos fiscais.


As disposições finais da Lei 1063/2016 regula o processo de regularização fundiária urbana, em Roraima, estabelecendo, no parágrafo segundo, do artigo 67, que os títulos concedidos na área rural, para propriedades de até 4 módulos fiscais eram inegociáveis por um período de 10 anos. A proposta do governo é excluir essa exigência, possibilitando que as áreas regularizadas possam ser comercializadas imediatamente. A pressão por terras para ampliar a produção de grãos é uma realidade em Roraima, a queda dessa restrição permitirá um processo de concentração de terras nas mãos de poucas pessoas.


Alguns avanços


A proposta apresenta alguns avanços na gestão administrativa de terras rurais. Uma delas ocorre com a alteração do artigo 87, da Lei de Terras, que passa a vigorar, se aprovado, com a proibição da transmissão a qualquer título, de propriedade rural, em áreas inferiores à estabelecida ao imóvel, em seu título definitivo. A exceção existirá quando a parcela de terra for destinada a regularização fundiária de interesse social, ocupação pela agricultura familiar e se o imóvel for incorporado pela área urbana municipal. Essa mudança permitirá uma melhor normatização do processo de gestão da terra pública, inibindo um processo de desmembramento que vinha crescendo, em Roraima.


Câmara Recursal

A gestão fundiária, por excelência, consiste em processos conflituosos de interesses. Desde 2009, com a primeira legislação que regulamentou a gestão das terras públicas estaduais, a câmara recursal fundiária, órgão de segunda instância de recursos interpostos, ante as decisões do Iteraima, era composta com representações de secretários de estado. A mudança encaminhada melhora a qualidade técnica deste órgão recursal, ao estabelecer representações técnicas da FEMARH e SEADI, mantendo-se as atuais representações da PGE, que preside o colegiado, e representantes da agricultura familiar e empresarial. A novidade foi a exclusão do representante da ALE/RR da composição deste órgão recursal.


Georreferenciamento

O artigo 61, da atual legislação, estabelece a possibilidade do postulante da parcela de terra, em processos de georreferenciamento da área ocupada, realizar sobre as suas expensas a delimitação da área, por meio de empresas e técnicos credenciados no Iteraima. No entanto, a legislação não previa a rejeição de declaração de quem não conseguiu as assinaturas dos confinantes (vizinhos) concordando com os limites estabelecidos. A alteração proposta permitirá ao órgão gestor das terras negar essas declarações, inibindo conflitos de sobreposição de terras, situação que ocorre rotineiramente em Roraima.


Título Definitivo

O artigo 36, da atual legislação, estabelece as condicionantes para o efetivo recebimento do título definitivo. A proposta encaminhada pelo governo altera o parágrafo segundo, impondo que para o recebimento do título é obrigatório que o proprietário da terra apresente a licença ambiental das atividades econômicas existentes no imóvel. A medida consiste em uma exigência fundamental, quanto a regularização ambiental das áreas produtivas, especialmente no tocante às medidas de mitigação que deveriam ser adotadas, no entanto, vimos que foi retirado a exigência da menção a crimes ambientais nos laudos de vistoria produzidos pelo Iteraima. Portanto, essa exigência, torna-se meramente burocrática, apesar de ser um avanço administrativo.


Alienação

A atual legislação prevê no parágrafo 6°, do artigo 30, o processo de alienação de imóveis rurais de pequeno porte, até 4 módulos fiscais, dispensada comprovação de cultura efetiva, onde o requerente exerça morada, ou seja, utilizado para prática de recreação familiar. A proposta de mudança do governo reduz o tamanho dessa área para 1 módulo fiscal, diminuindo drasticamente, e corretamente o processo de regularização de vastas áreas para especulação imobiliária rural, na qual não há cultura efetiva.


O projeto de Lei deveria ter sido votado no último dia 31/01/2024, em uma sessão extraordinária, convocada pelo governo do estado. No entanto, pressões de movimentos sociais e uma posição técnica do conselho estadual das cidades convenceram os parlamentares a retirar da pauta de votações a proposta do executivo. No entanto, o caráter de urgência deverá levar a proposta para votação diretamente no plenário da casa legislativa, assim que os trabalhos forem retomados no próximo dia 20/02/2024. A sociedade Roraimense precisa debater essas alterações para que evite retrocessos na gestão fundiária de Roraima.


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