Campanha nacional por mais representatividade político-partidária começou em 2017 e tomou forma através da Campanha Indígena nas Eleições de 2022. No estado onze vereadores e dois prefeitos, representantes dos povos originários, buscam reeleição em 2024.
Por Eduardo Garcia e João Gabriel Leitão*.
Roraima nunca elegeu tantos candidatos indígenas como nas últimas eleições. Mas qual é a situação para 2024? Nesta reportagem contextualizamos o atual cenário político roraimense com foco em candidaturas indígenas. Mostraremos ainda como o movimento tem se articulado nos últimos anos visando as próximas eleições.
Tudo começa com o lançamento da carta “Por um parlamento cada vez mais indígena”, durante o Acampamento Terra Livre, em 2017. No documento, a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)expressou, pela primeira vez, o desejo real do Movimento Indígena de se organizar para garantir mais representatividade em Brasília.
No entanto, de fato, o primeiro grande movimento político só ocorreu cinco anos depois, com o lançamento da Campanha Indígena 2022 – movimento promovido pela Apib durante a campanha das eleições federais daquele ano, em resposta à crescente repressão aos direitos dos povos originários por parte dos Governos de plantão.
Durante a Campanha, que buscou fortalecer a participação política partidária e em espaços de poder para pessoas indígenas, houve o lançamento da Bancada Indígena, com 30 candidaturas, que na ocasião, somaram mais de 500 mil votos em todo o Brasil.
Os nomes foram indicados pelas sete organizações regionais que compõem a Apib. É a Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) representa os povos originários da Região Norte.
Apesar da ampliação no número de candidaturas indígenas, em 2022, como resultado da Campanha, apenas nove candidatos autodeclarados foram eleitos nacionalmente – dois senadores, cinco deputados federais e dois deputados estaduais.
Com mais de 156 mil votos, a atual Ministra dos Povos Originários e primeira indígena a assumir uma pasta de alto escalão no Governo Federal, Sônia Guajajara (PSOL), foi eleita deputada federal por São Paulo.
Aldear Roraima
Movimentações como a Campanha Indígena 2022 da Apib se mostram fundamentais, principalmente em Roraima, estado com um dos Movimentos Indígenas mais fortes do Brasil. É o que pontua a jornalista, ativista e ex-candidata a vereadora nas eleições municipais de 2020, Ariene Susui, do povo Wapichana.
“Apesar de ter um forte Movimento Indígena, Roraima é um estado muito ruralista, que não gosta e que tem preconceito com os indígenas. É altamente homofóbico também. Um estado muito difícil para a questão dos indígenas e principalmente em relação a candidatos”, esclarece.
“Não temos hoje nenhum candidato ou vereador na Câmara, não temos hoje nenhum deputado estadual indígena” – Ariene Susui.
Apesar do alto número de votos conquistados pela Bancada Indígena em 2022, o movimento sofreu uma derrota inesperada em Roraima: a atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai),Joenia Wapichana não conseguiu ser reeleita, devido ao quociente eleitoral – mesmo obtendo mais de 11 mil votos.
Em 2018, um ano após a publicação da carta que reivindicava um parlamento mais indígena, Joenia havia sido eleita a primeira Mulher Indígena Deputada Federal na história do país.
A importância de lançar candidaturas indígenas em um estado como Roraima, altamente alinhado à direita, vai além do pensando a curto ou médio prazo. Para Ariene Susui, esse tipo de ato estimula a ocupação político-partidária na cabeça dos mais jovens e lideranças do futuro. “Eu acredito que o movimento indígena, ao fazer uma campanha para que mais pessoas indígenas se elejam, pode avançar para ter mais representatividade dentro da Câmara ou do Congresso. Eu sou muito otimista em relação a isso”, declara.
“Quando começamos a fazer essas discussões, fazemos também a formação política, que é fundamental, principalmente para juventude que está vindo. Nós já conseguimos fazer isso antes, com a Joenia”, reitera Ariene.
Como explica o cientista político e professor de Filosofia da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Paulo Racoski, o apoio a candidaturas por parte de articulações como a Apib, ao dar maior visibilidade aos candidatos indígenas, abre ainda a possibilidade dessas candidaturas receberem uma fatia maior do Fundo Partidário.
“Por mais que tenha crescido o número de candidaturas, a viabilidade delas é sempre muito baixa, porque o investimento para deslanchá-las, é baixo”, esclarece o professor.
“Não basta ter o nome de uma pessoa indígena autodeclarada e reconhecida pelas comunidades. Só isso não vai viabilizar a candidatura ou até a eleição desses representantes” - Paulo Racoski.
Corroborando o depoimento de Ariene Sussui, Racoski justifica que a falta de aporte financeiro dedicado a candidaturas indígenas, especificamente em Roraima, ocorre devido ao alto índice de rejeição à identidade indígena regional – apesar do alto índice de descendentes de povos indígenas não-autodeclarados no estado.
“Nem todo mundo se reconhece (como descendente de indígenas). Se essa população se reconhecesse e lutasse pela garantia de seus direitos, teríamos uma ampla eleição de representantes, tanto na eleição de 2022, como nessa de 2024 - independente do aspecto ideológico ou do espectro político”, avalia Racoski.
Segundo o professor, a disputa por territórios garantidos aos povos tradicionais pela Constituição é um dos vários motivos para a rejeição da identidade.
Cenário positivo
Para Paulo Racoski, no entanto, as eleições de 2022 pavimentaram um bom caminho para as candidaturas indígenas nas próximas eleições. Já que, segundo ele, apesar de derrotas como a não-reeleição de Joenia Wapichana, o número de votos somados em pessoas indígenas aumentou – o que indica um bom cenário para 2024.
“A eleição de 2022 mostrou que há uma viabilidade de representatividade étnico-cultural e de gênero para os povos tradicionais. Esses mais de 100 mil votos, os candidatos ao Senado, outras pessoas que também levaram a pauta indígena e os votos na Joenia, podem viabilizar eleições de vereadores ou até mesmo de prefeitos e vice-prefeitos”, diz ele.
“Eu acredito que (podem ocorrer) principalmente no Uiramutã, que aí já teve a experiência administrativa de uma prefeitura, e de vereadores”, conclui.
* Grupo 2. Conteúdo experimental produzido no escopo da disciplina JOR53 – Jornalismo Especializado I.
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