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  • Foto do escritorFabio Almeida

A OSS no HGR precarizará as relações de trabalho no SUS

O Amazoom conversou com a presidenta do Sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras em saúde do Estado de Roraima (SINTRAS), Maceli Carvalho, para tentar entender melhor o impacto na vida dos profissionais de saúde da proposta de terceirização da gestão do HGR para uma organização social de saúde (OSS) proposta pelo governo de Roraima.


Maceli Carvalho Presidenta do SINTRAS
Sou servidora pública, concursada há 15 anos e atuo na rede de atenção do Estado. Há 2 anos estou na presidência do SINTRAS e nunca tinha visto uma proposta tão prejudicial aos trabalhadores e aos usuários como essa terceirização do HGR. Neste Governo vivemos um processo de desmonte da estrutura do SUS, com precarização do trabalho e dificuldade de acesso dos usuários. É necessário que a sociedade roraimense não permita esse ataque a um dos maiores patrimônios que temos na saúde. Precisa melhorar? Sim. Mas não é terceirizando que melhoraremos os serviços.

Amazoom: O Que é o SINTRAS?


Maceli Carvalho: Bem, é um sindicato como o próprio nome já diz, vai além de cuidar e defender os direitos do trabalhador, agente ver o lado da sociedade preconizando o direito ao atendimento da população, visando melhorar os serviços tanto das unidades do estado, como do município, apontando os problemas e dando sugestões de como garantir a integralidade, a equidade e a universalidade. Até porque eu também sou usuária, junto com minha família, dos serviços públicos de saúde. Assim, atuamos em três frentes, defendemos os trabalhadores em seus interesses, lutamos pelos direitos dos usuários e cuidamos socialmente de nossos filiados quando necessário.


Amazoom: O SINTRAS representa quais trabalhadores do SUS?


Maceli Carvalho: Representamos os trabalhadores do estado, município e união, quanto a iniciativa temos ainda alguma dificuldade, assumi o sindicato apenas há 2 anos. Pretendemos com a renovação da diretoria, no próximo ano, melhorar nossa atuação junto aos trabalhadores vinculados as empresas privadas, pois estes sofrem muitos problemas de precarização das relações de trabalho.


Amazoom: Um dos principais temas que se discute no Estado de Roraima é a proposta de privatização da gestão do HGR. O SINTRAS foi consultado sobre essa posição do Governo do Estado?


Maceli Carvalho: Em nenhum momento, pelo contrário, já encaminhei vários documentos tanto ao conselho estadual de saúde, quanto a SESAU, solicitando esclarecimentos, nenhum foi respondido. Já vem há algum tempo essa proposta, desde 2020, quando foi feita a Lei 1439/2020, na época eu não me encontrava a frente do sindicato, mas já observava que era uma Lei ruim, hoje culmina com essa proposta de transferir a gestão do HGR para uma OSS. Não fomos consultados, fiquei surpresa, pois, este tipo de coisa é discutido com os trabalhadores, sendo argumentada proposições quanto a proposta tanto pela gestão, quanto pelos trabalhadores. Neste caso em nenhum momento o SINTRAS foi procurado para falar sobre a proposta de terceirização, acredito que nenhuma entidade representativa dos trabalhadores de saúde.


Amazoom: Qual a posição do SINTRAS sobre a privatização da gestão do HGR?


Maceli Carvalho: Olha, sou totalmente contrária a terceirização, principalmente por ser um processo de precarização dos vínculos trabalhistas de nossos profissionais da saúde, isso fica claro nas justificativas constantes no estudo técnico preliminar. O processo que é público deixa claro seu objetivo central que é retirar direitos dos trabalhadores, além da gestão da SESAU assumir a sua incompetência para gerir o HGR que é nosso principal hospital, onde todos necessitam dos serviços, tanto do mais ricos quanto os mais pobres. Então, assim, a minha posição como presidente do SINTRAS e dos demais membros da diretoria é não aceitar esse ataque aos princípios do SUS.


Amazoom: Como você avalia essa proposta do Estado de criar duas categorias uma de servidores concursados, outra de trabalhadores contratados pela OSS. Você acredita que isso funcionará com a existência de salários distintos entre profissionais com a mesma responsabilidade?


Maceli Carvalho: Isso já vai contra todos os princípios que nós defendemos. O trabalhador da OSS (empresa privada a ser contratada pela SESAU) ganhará muito menos, essa é a informação que temos de outras organizações sociais em outros estados, não tenho notícia no país de uma OSS que pague aos seus trabalhadores o mesmo salário que os profissionais concursados recebem. Essa precarização não vai funcionar. Nossos profissionais são qualificados, falta investimentos da gestão em formação continuada. Quatro meses atrás eu fiz uma visita ao ETSUS (Escola Técnica do SUS), órgão responsável pela qualificação do servidor e o prédio se encontra abandonado. Na justificativa a SESAU afirma que os servidores não possuem qualidade e capacidade de gerenciamento de processos. Por que o Estado não treina? Qualificar os servidores em gerenciamento das unidades de saúde ou realizar concursos específicos exigindo especialização em gestão de unidades de saúde é o caminho correto, não apenas apontar que o servidor não possui competência. O Estado não investe na capacitação de seus servidoresa e depois utilizar destes dados para justificar a terceirização proposta pela gestão. Não vejo isso com bons olhos. Isso é apenas o início da precarização e da retida de direitos que conquistamos para nossas categorias.


Amazoom: E os concursos?


Maceli Carvalho: O concurso é o meio legal, estabelecido na constituição do Estado. Você terá um servidor que o Estado poderá investir em treinamentos e ele dará retorno para sociedade, pois seu vínculo é efetivo, não temporário como será dos servidores celetistas a serem contratados pela OSS. Imagina quanto dinheiro público não será perdido na capacitação de pessoas que deixaram o serviço da OSS para atuar em outros lugares, isso não ocorre com o servidor concursado. O servidor público não é mais caro, como afirma a gestão da SESAU, ele é um profissional que presta um serviço à sociedade exclusivamente, ao contrário do profissional a ser contratado pela OSS que fica suscetível a todo nível de pressão do patrão.


Amazoom: Nós temos uma estrutura denominada Mesa de Negociação do SUS. Esse tema foi debatido por vocês?


Maceli Carvalho: Não. Essa mesa permanente de negociação da classe trabalhadora estava desativada até o mês de fevereiro de 2023. Essa situação foi inclusive um dos pontos que apresentamos no indicativo de greve que o SINTRAS e outros 5 sindicatos do setor da saúde apresentaram a atual gestão da SESAU, ou seja, a retomada da mesa de negociação. Fizemos uma primeira reunião no último dia 15/03/2023, porém, não tínhamos conhecimento da proposta de terceirização da gestão do HGR e muito menos desta proposta de precarização das relações trabalhistas. Portanto, o tema não foi debatido, além de que como foi o primeiro encontro debatemos como funcionaria a reorganização da mesa de negociação. Agora, na próxima reunião esse será um dos temas pautados, pois não admitimos precarização das relações trabalhistas no âmbito do SUS.


Amazoom: Na proposta encaminhada pelo Estado de privatização, ele transfere a responsabilidade das análises de desempenho para servidores em estágio probatório e para concessão de benefícios contidos na lei de cargos e salários do setor da saúde para a OSS. Esse procedimento é correto?


Maceli Carvalho: Isso é totalmente ilegal. Como uma OSS irá avaliar um servidor concursado? Nos quesitos de avaliação existe a exigência de pronunciamento do chefe imediato, como meu chefe imediato, sem vínculo com o Estado procederá minha avaliação. Quais os critérios a serem adotados? Essa mudança precisava de modificação legal, não por meio de um termo de referência de terceirização da gestão dos serviços, como propõe a SESAU. Isso é um absurdo.


Amazoom: A proposta também permeia uma insegurança aos servidores concursados, quando possibilita que a OSS pode devolver servidores a SESAU. Como você avalia essa proposta?


Maceli Carvalho: Isso é perigosíssimo. Avalio como uma política que abrirá portas para que os servidores sejam assediados pela OSS, olha, essa realidade de assédio já é uma realidade quando o servidor questiona determinados procedimentos que claramente confrontam as normas legais, você já é transferido de setor, tanto no estado, quanto no município. Não é aberta uma sindicância que seria o caminho correto, apenas o servidor é transferido por questionar procedimentos administrativos. Essa possibilidade da OSS devolver os servidores irá ampliar os casos de perseguição e assédio moral, isso é uma brecha que potencializará a devolução de efetivos para contratação de celetistas pela OSS.


Amazoom: O SINTRAS acionará os ministérios públicos estadual e federal, além da justiça para tentar conter esse ataque ao SUS, em Roraima?


Maceli Carvalho: Sim, com certeza. Quando o Estado tentou passar essa proposta em dezembro de 2022, nós entramos no ministério público para que averiguasse o processo e suspendesse o andamento, ganhamos. Agora, somos surpreendidos com a retomada da proposta com os mesmos erros de antes. Vamos novamente acionar as instâncias, pois o interesse não é apenas dos trabalhadores, também é da população. As experiências que conhecemos em outros estados não contribuem e nem melhoram o atendimento, pelo contrário pioraram as condições de acesso da população. Já temos uma empresa contratada para fazer cirurgia ortopédica, já são várias denúncias de casos de ausência de eficiência, eficácia e cuidados com os pacientes, com denúncias inclusive de erro médico.


Amazoom: Um dos critérios de qualidade proposto na terceirização do HGR é o menor tempo de internação do paciente. Como profissional de saúde qual sua posição dessa proposta?


Maceli Carvalho: Isso me preocupou muito. Como é que você possui como critério a alta hospitalar? Se ocorre uma complicação em casa quem irá avaliar esse paciente? Normalmente dizem para os usuários procurarem uma unidade básica de saúde, mas não existem condições destes estabelecimentos de saúde realizarem um curativo de alta complexidade nos pacientes. Então, assim, a sociedade roraimense estará entregue a um açougue, ela precisa estar consciente, precisa conhecer o que querem fazer com a saúde de Roraima.


Amazoom: Por quê são R$ 429 milhões a serem repassados para OSS no primeiro ano?


Maceli Carvalho: É impressionante que para nós que somos trabalhadores nunca existe dinheiro. É impressionante como para terceirização aparece R$ 429 milhões. Enquanto o orçamento inteiro da Prefeitura para saúde gira em torno de R$ 200 milhões. A Prefeitura de Boa Vista possui suas mazelas, porém você ver uma eficiência maior na aplicação dos recursos e na oferta de serviços, em relação ao HGR. Na justificativa apresentada pela SESAU é assumida a incompetência da gestão, ao afirmar que não possui condições para contratar insumos. Se existe a disponibilidade de R$ 429 milhões fica claro que o problema é falta de gestão. Olha, passamos por uma reforma no HGR, foi construído um anexo novo e não realizaram um concurso público, mesmo com a ampliação de leitos. Como afirmar que não existe profissionais capacitados se o Estado não realiza concursos públicos para área de gestão? Esse valor é exorbitante para meu ponto de vista. Fiquei admirada que parece que identificaram o problema, mais a solução proposta irá prejudicar trabalhadores e usuários do SUS. Acabei de ver uma reportagem onde uma diretora da unidade hospitalar de Rorainópolis recebeu em 2022, R$ 450 mil de remuneração em um único mês. Onde estamos com esse descaso com o gasto de dinheiro público?


Amazoom: A luta do SINTRAS hoje não é só contra a terceirização. Vocês hoje debatem o PCCR no âmbito do município de Boa Vista. Como se encontra essa situação?


Maceli Carvalho: É uma luta também, o município possui alguns entraves, mas vejo com bons olhos a tentativa de melhorar as condições de remuneração dos trabalhadores. Porém, possuem um entendimento diferente do que defendemos e nós não aceitamos a proposição genérica que querem dá aos trabalhadores de saúde. Pois, existem especificidades que devem ser observadas. Por exemplo, a Prefeitura não reconhece o adicional de qualificação aos trabalhadores de nível médio e técnico, isso é um absurdo com o profissional que fica diuturnamente, se sacrificando para garantir um bom atendimento aos usuários. Sou uma mulher de luta, se não avançarmos vamos mobilizar a categoria para exigir esse direito.


Amazoom: Quais as condições de trabalho ofertadas pelo poder público de Roraima na área de saúde?


Maceli Carvalho: Acredito que existem pontos positivos, mas existem muitas precariedades que precisam ser resolvidas. Hoje, não temos um programa de saúde do trabalhador que funcione tanto em nível estadual, como municipal. Isso me preocupa muito. Saímos de uma pandemia que deixou sequelas em muitos trabalhadores e nós não conseguimos enxergar ações do poder público para esses profissionais. Eu tenho esperança. Nossa luta principal é contra essa terceirização e a longo prazo queremos uma política voltada aos servidores que preconize a saúde do trabalhador e consequentemente a melhoria das condições de trabalho que impactará na melhora dos serviços oferecidos a população roraimense.


Amazoom: Normalmente a gestão tenta culpar o trabalhador por sua ineficiência. Como você ver essa realidade?


Amazoom: É o ponto mais frágil. Culpar os outros consiste em um ato que busca esconder seus próprios erros. Vou dá um exemplo que deveria ser seguido pelos gestores. A atual secretária de saúde do município de Boa Vista quando enfrenta uma crise, ela vai lá para dentro da unidade. Monta uma mesa e tenta dialogar, resolver a situação, antes de culpar os servidores. Nosso Governador deveria criar um gabinete de crise dentro do HGR para resolver os problemas, não culpar os trabalhadores como faz nas justificativas para fundamentar seu projeto de terceirização do HGR. Acordei hoje e fiquei analisando que temos uma segurança pública que funciona, ante o que vemos em outros Estados, temos uma agricultura que desponta como referência. Por que na saúde temos retrocesso? Não temos políticas de referência e contra referência, nem mesmo de regulação funcionando. Estamos voltando a era arcaica do SUS. Será que não é a falta de um olhar do nosso governador para o setor da saúde.


Amazoom: Qual é a mensagem da Presidenta do SINTRAS à população roraimense?


Amazoom: Olha, peço apoio para nossas lutas. Nossa luta é pela melhoria da qualidade dos serviços. Agora como melhoramos a qualidade do atendimento se o profissional não recebe um salário condizente com a grande responsabilidade que ele possui que é cuidar da vida das pessoas? Essa terceirização diminuirá a qualidade dos serviços que já não é boa. Eu peço a sensibilidade da população para que diga não à terceirização. Se manifestem nas redes sociais do Governador e da Secretária contra a terceirização. Sei que temos condições de melhorar as condições dos serviços ofertados na saúde, temos profissionais capacitados para gerenciar essa crise e melhorar a oferta de serviços.

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