“(A população) não conhece a palavra nepotismo… (mas) se você disser que um político empregou a mulher ou o filho no seu gabinete… eles vão entender”, diz a pesquisadora Geyza Pimentel.
Por Allyne Bentes, Laura Silvestre e Thiago Marinho*
Casos de nepotismo são e podem ser diariamente denunciados pela população de um determinado estado brasileiro, essa é uma das formas do cidadão exercer seus direitos em uma democracia direta. Neste cenário, um dos instrumentos que pode ser usado para realizar a denúncia de algum caso de nepotismo é justamente a ação popular, que deve ser proposta por qualquer eleitor ao se encontrar diante de atos que ferem a moralidade administrativa.
Em uma pesquisa realizada por essa reportagem no âmbito acadêmico entre jovens e adultos de 20 a 57 anos foi possível observar que há uma parcela pequena entre os estudiosos local que não conhecem o termo “nepotismo”, dos 167 indivíduos que responderam ao formulário, 7,1% não sabia responder o que era.
A pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Eleitorais e Políticas da Amazônia (NUPEPA/UFRR), Geyza Pimentel, afirma que esse número se eleva ao falarmos dos cidadãos mais pobres da sociedade, que muitas vezes não tiveram acesso à informações sobre o que o termo significa.
“Sinceramente, eu acredito que a população mais humilde é a população com menos conhecimento formal. Ela não conhece a palavra nepotismo. Ela não entende essa denominação porque ela é uma denominação diferente e que para ela não faz nenhuma diferença, ao contrário, se você disser que um político empregou a mulher ou o filho no seu gabinete ou em qualquer outra condição dentro da esfera Estadual, Municipal ou Federal, eles vão entender que aquela pessoa privilegiou alguém da sua família, é essa a diferença, Então isso é exatamente o que eles entendem por nepotismo: não a palavra em si, mas a ação do político é entendida”, esclarece a professora.
A dificuldade de informações como essa chegarem a uma parte da população é um impacto que atinge negativamente o pleno exercício de uma democracia. Os cidadãos em gozo de seus direitos podem ajudar na regulamentação e até na fiscalização dos atores políticos, e essa carência é um retrato do negligenciamento na esfera da educação e uma evidência da segregação social.
“Para que a própria Justiça, o próprio judiciário tomem as providências cabíveis, acho que o ponto mais forte é justamente isso: é a população se empoderando desse conhecimento para cobrar e participar mais dessa condição, do seu papel enquanto cidadão que cobra, que acompanha e que é o fiscal dos políticos e dos administradores tanto do Executivo, quanto do Legislativo”, pontua Geyza.
Atual Governo: Denarium e a cassação
O governo de Antonio Denarium (PP), está sendo marcado por conturbações a respeito de algumas ações tomadas por ele em seu primeiro mandato (2019-2023) e no mandato ainda vigente (2023-2027). Recentemente uma das acusações que gerou até pedido de Impeachment, foi por práticas nepotistas e abuso de poder, que só chegaram a serem analisadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos últimos três anos.
Além das atuais denúncias de nepotismo por conta da nomeação de sua esposa, Simone Denarium, para o cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas de Roraima (TCE-RR). Desde seu primeiro mandato, Denarium mantém um vasto histórico com esta prática. De acordo com o Portal Roraima em Tempo, durante seu primeiro ano como governador, Denarium nomeou parentes ao primeiro escalão, exerceu nepotismo cruzado após Soldado Sampaio assumir a presidência da Assembleia, fazendo com que encaminhasse irmãs, cunhada e sobrinho a cargos comissionados, contando também com mais de 1.500 cargos comissionados criados pelo governador e aprovado pelos deputados estaduais.
Quando buscava reeleição para o período eleitoral foi marcado por uma série de iniciativas questionáveis. Entre elas, o lançamento do programa “Cesta da Família”, que ofereceu cestas básicas a eleitores em um momento crítico do pleito. Além disso, foram reveladas outras irregularidades, como a execução do programa “Morar Melhor” e a transferência de grandes somas de dinheiro para municípios antes do período vedado pela lei eleitoral.
O TRE-RR apontou que Denarium violou a Lei das Eleições (nº 9.504), ao expandir o número de beneficiários do programa de cestas básicas de 10 mil para 50 mil pessoas. A Corte considerou que essa medida configurava abuso de poder político e concessão de benefícios em troca de votos. Apesar das controvérsias, Denarium foi reeleito no primeiro turno com 56,47% dos votos. Sua vitória refletiu não apenas o apoio de uma parcela significativa da população, mas também a eficácia de uma campanha que explorou as necessidades urgentes dos eleitores.
Em resposta às críticas, Denarium publicou uma nota em suas redes sociais, expressando confiança nas instâncias superiores eleitorais: “Estou com a consciência tranquila de que fiz o correto pelo bem do nosso povo. As ações realizadas pelo nosso governo sempre tiveram o objetivo de ajudar quem mais precisa. Sigo no exercício do cargo e confio que as instâncias superiores eleitorais irão estabelecer a verdade.”
Em 2023, a saga judicial de Denarium ganhou novos capítulos. Em agosto, o TRE-RR cassou seu mandato pela primeira vez, alegando abuso de poder político e econômico. A decisão foi motivada pelas práticas irregulares durante o período eleitoral. Denarium recorreu da decisão, e o processo continuou a se desenrolar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), permitindo-lhe continuar no cargo enquanto aguardava uma decisão final.
Quase um ano depois, Denarium enfrentou novas cassações pelo TRE-RR, sendo condenado pela segunda e terceira vez. A Corte determinou que, com a publicação do acórdão, Denarium deveria ser afastado do cargo e novas eleições deveriam ser convocadas. O caso chegou ao Tribunal Superior Eleitoral em agosto de 2024. Se confirmada a decisão inicial, Denarium perderá imediatamente o mandato e ficará inelegível por oito anos.
A defesa de Denarium nega qualquer irregularidade, afirmando que os programas sociais não foram criados para beneficiar sua candidatura, mas para responder à emergência causada pela pandemia de Covid-19. Foi apurado que os dois programas sociais custaram cerca de R$ 90 milhões. No entanto, como esses programas não estavam previstos no orçamento do ano anterior, sua implementação em ano eleitoral foi considerada vedada pela Justiça Eleitoral. A ação alegou que o gasto com publicidade institucional do governo estadual no ano eleitoral foi muito acima do habitual, sendo usado para promover a candidatura à reeleição.
Em nota divulgada pela assessoria de Denarium, foi afirmado que “respeita a decisão judicial e reitera a confiança na Justiça e nas instituições democráticas”. A nota destacou que a defesa “acredita que a decisão será revertida em instância superior, com a apresentação dos argumentos necessários para esclarecer todas as questões levantadas”.
O caso ainda está sendo analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral, após adiar o julgamento no dia 20 de agosto de 2024.
E os municípios? Caso de nepotismo no Uiramutã
Atualmente também é alvo de investigação pelo Ministério Público de Roraima (MPRR), um caso de nepotismo que ocorreu no município de Uiramutã, localizado no norte do estado. O Secretário de Saúde, Lucas Ângelo, nomeou uma tia para assumir um cargo em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município. O secretário atua no cargo desde março de 2023, mas só obteve sua nomeação em janeiro deste ano.
A Comarca de Pacaraima (que abrange os municípios de Pacaraima, Amajari e Uiramutã), é a responsável por apurar as informações do caso e verificar se houve improbidade administrativa e se infringiu o princípio da moralidade na administração pública. A instauração do inquérito foi divulgada no dia 12 de julho no Diário Oficial dos Municípios (DOM-RR).
Em nota a prefeitura de Uiramutã nega as acusações:
“A Prefeitura de Uiramutã precisa informar que essas supostas denúncias não condizem com a verdade e convidamos a todos que quiserem ter acesso aos documentos conhecerem a realidade administrativa de Uiramutã.
O Secretário Lucas, em momento algum, emitiu portaria de nomeação de parente de segundo grau. E caso alguém, movido por má-fé, ou perseguição política, manipular, denunciar, responderá por denúncia caluniosa, nos termos do Código Penal Brasileiro.
Cumpre informar que nos termos da legislação civil, só é tio quem é irmão do pai ou da mãe. E o simples parentesco indígena não configura nepotismo, tampouco o parentesco relacionado pela legislação.
E por fim, essas alegações beiram, inclusive, a discriminação racial indígena, pois, preconceituosamente ainda afirmam que todos os indígenas são da mesma família. Porém, quando eles falam “somos todos parentes”, trata-se apenas de uma expressão que ressoa os laços de fraternidade e comunitários entre os povos originários.
O povo de Roraima, bem como as instituições públicas, primordialmente, o Ministério Público, precisam acessar as literaturas de antropologia e conhecerem as terminologias indígenas, pois estamos no estado mais indígena do Brasil. A Assessoria Jurídica ficará atenta a todas as calúnias e crimes de ódio contra as lideranças indígenas de Uiramutã”.
Em 2022 o município de Uiramutã também foi alvo de investigação acerca de um caso de nepotismo. O promotor de justiça do MPRR, Felipe Hellu Macedo, instaurou um inquérito civil, divulgado em 21 de julho, para apurar a contratação da Felizaberta Souza, irmã do Jeremis Sousa (Vice-prefeito do município), para o cargo de Coordenadora de Endemias na Secretaria Municipal de Saúde.
* Grupo 6. Conteúdo experimental produzido no escopo da disciplina
JOR53 – Jornalismo Especializado I.
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