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Venezuelanos vivem como nômades em Boa Vista

João Paulo Pires Há seis meses, o pedreiro Artur Cercedilla, 32, e a cuidadora de idosos Irisbeth Cantón, 28, não têm rotina fixa. Imigrantes venezuelanos, decidiram sair do país vizinho e tentar uma nova vida no Brasil. Hoje, o casal define semanalmente um lugar para estender a barraca que abriga a família e passar a noite longe de confusões nas ruas de Boa Vista. Eles vieram com os dois filhos de 8 e 6 anos para a capital roraimense cruzando a fronteira em Pacaraima. Estimulado por outros amigos que já haviam imigrado, a ideia inicial do casal era ficar três meses na cidade e viajar por terra até Foz do Iguaçu, no Paraná. Quando chegaram ao Brasil em fevereiro, a situação foi diferente da que esperavam: sem dinheiro, perspectiva de trabalho ou espaço em abrigos oficiais de acolhimento para refugiados, se viram forçados a dormir na rua. Segundo os dois, o melhor lugar para passar as noites era na região próxima à rodoviária da cidade. Atualmente, com a chegada do período seco na região, o casal prefere variar a cada semana os locais dos acampamentos, passando as noites em terrenos baldios entre os bairros Calungá, São Vicente e Pricumã. A medida, conforme explica Cercedilla, é para evitar a exposição direta dos filhos na rua e confronto com as autoridades locais, além de problemas com conterrâneos. “Nós ficamos na frente de uns comércios, mas passou o Exército, a polícia [militar] e a guarda municipal dizendo para sairmos, porque os donos estavam reclamando. Também havia os furtos, levavam nossas coisas. Sabemos quem era, mas não pudemos provar. Então para evitar confusão a gente saiu com outras pessoas, foi o jeito”, afirma o pedreiro, que diz estar juntando dinheiro para alugar um apartamento em um condomínio com o grupo de imigrantes, que compartilha regras de moradia na caravana improvisada. Artur afirma que o primeiro mês foi o mais difícil. “Dormimos direto no chão ou em papelão e na época chovia muito”, diz. Posteriormente, eles ganharam uma barraca de tamanho familiar, doada por um empresário de Boa Vista durante uma ação beneficente. Para ele, ficar em um dos 11 abrigos para imigrantes de Boa Vista está fora de cogitação. As unidades estão superlotadas, com 6,5 mil pessoas, e ainda há filas de espera por vagas. Agora, o casal sai todos os dias em busca de qualquer oportunidade de trabalho temporário ou fixo que garanta o sustento dos quatro e o envio de alimentos a cada três semanas os pais e parte da família que ficou na cidade de El Palmar, Estado Bolívar, no sudeste do país. “O mais complicado é andar com os fardos de alimentos para todo lado. A gente precisa se revezar ou deixar os pacotes com um amigo durante o dia, que cuida para nós. Mas é incômodo”, diz Irisbeth. Vida em movimento Irisbeth, Artur e os dois filhos são apenas quatro dos quase 1.500 venezuelanos vivendo como nômades nas ruas da capital. A estimativa é da Operação Acolhida, missão humanitária de responsabilidade do Exército Brasileiro, criada na gestão do ex-presidente Michel Temer para cuidar do fluxo migratório no país. Em abril, o governo federal liberou mais R$ 223,8 milhões para a operação para serem gastos até o final deste ano. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil é o quinto país a receber mais imigrantes da Venezuela —cerca de 168 mil. Segundo o governo de Roraima, o Estado tem 60 mil pessoas vindas da nação vizinha. Destes, quase 32 mil morem na capital, correspondendo a quase 10% do total da população local, de 375 mil habitantes. Artur e Irisbeth às vezes frequentam o espaço de passagem transitória da Acolhida, um galpão adaptado permite que as pessoas que dormem nas ruas possam tomar banho e lavar suas roupas, além do refeitório improvisado e distribuição de comida diária. O problema é enfrentar as filas cheias de gente, e muitas vezes não conseguir comida. Agora, a esperança de Artur é conseguir uma vaga no sistema de interiorização da operação, que já levou 16 mil venezuelanos para outros estados como Amazonas, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. “É cansativo. Quem vê de fora tem a impressão de que a gente não faz nada, mas a luta é diária. Ficar sem trabalho, morando em barraca de lona e cozinhando a céu aberto te deixa mal. Mas não posso parar, não estou sozinho no mundo. Preciso dar o exemplo para os meus filhos”, conclui.

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