Ser mulher em contexto de crise humanitária: Ysenia Hamie Dias
José Carlos Magno Neto e Solange Almeida "Você me pergunta o que é ser mulher em uma crise humanitária? Imagine muitas coisas ruins em sua cabeça, é mais ou menos isso". Ysenia Hamie Diaz percebeu os efeitos da crise, à medida que via vizinhos e conhecidos desaparecendo de sua cidade natal, Valencia, no Estado de Carabobo. "Só ouvia os outros dizerem: 'foram pro México, estão na Colômbia, fugiram para o Paraguai', aquilo foi me assustando e eu precisava saber como sair daquela situação". A mãe de três filhos conta que tinha boa casa, emprego, qualidade de vida e que, em um estalar de dedos, a situação mudou completamente. "Mas essas coisas boas foram antes de brigarmos por comida. Antes de ver meus vizinhos partirem, antes de nos perguntarmos onde estariam as pessoas que moravam em nosso bairro". "Só me dei conta de aquilo me atingia quando vi meu filho me pedindo comida e eu não podia dar. Foi quando percebi que ali não era mais meu lugar e da minha família". Foi quando há um ano Ysenia, seu marido e dois de seus filhos juntaram seus últimos recursos e partiram em direção à capital Boa Vista, onde foram recebidos pela igreja. "Fugimos do pior, faz um ano que dei uma nova oportunidade para meus filhos, deixei todas as coisas boas que tinham é vim para cá. Tínhamos uma mala de dinheiro que nada valia aqui, que só deu para comprar duas marmitas. No final, eu só vim com esperança". Mas apenas esperança não bastou para livrar Ysenia dos desafios de se recomeçar uma vida em um país diferente, sem recursos e perspectivas. "Houveram dias em que não conseguia respirar de tão agonizante que era a situação, eu chorava todo dia. Cheguei aqui e fui recebida com minha família em uma igreja. Sempre fui da igreja. Aqui recebi apoio de cristãos e julgada por outros irmãos que nada de amor de Deus tem no coração. "Mas você me pergunta como é ser mulher nessa crise". Como muitas mulheres venezuelanas que vão para Boa Vista à procura de um recomeço, Ysenia se viu vítima do preconceito e estigma que circulam a existência feminina nesse contexto de crise. "É horrível, tem muita gente ruim no mundo. As pessoas acham que por estarmos em certas situações, somos obrigadas a nos submeter a certas coisas, e isso não é verdade". Antes de chegar em Roraima, Ysenia ouvia pelo caminho histórias sobre garotas que se viam no mundo da prostituição. "Me lembro que durante a trajetória de lá para cá, via muita gente comentando que as venezuelanas se davam bem aqui. Eu não imaginava que isso era referência para vender o corpo. Infelizmente muitas meninas vinham para isso, por necessidade. Mesmo não sendo meu caso, ser colocada nessa posição é muito ruim". Hoje Ysenia vive com sua família de favor, em uma chácara no bairro Operário. Vivendo com a ajuda de próximos e das diárias que seu marido ganha em bicos, a dona de casa de 38 anos ainda possui esperança de uma vida melhor para ela e seus filhos. Tudo que eu tenho aqui foi as pessoas que nos deram. Eu dependo delas, porque meu marido não consegue um trabalho bom, apenas diárias, que não passam de 35 reais. A vida é complicada, minha família está espalhada em outros países que não são a Venezuela, mas eu tenho fé. Acho que é possível recomeçar quantas vezes forem possíveis. Agora pretendo recomeçar de outra vez em outro estado, pois sei que a Venezuela demorar muito a voltar a ser o que um dia foi".