top of page

Recursos do PAC podem desabrigar indígenas Warao, em Boa Vista/RR

Euligio Warao, Liderança na comunidade Yakera Ine. Foto Fábio Almeida. Surpreso, a liderança indígena Euligio Warao, escutou de um suposto representante da SESAU, na última quinta-feira (23/01/2025), que possuem 40 dias para saírem da comunidade espontânea Yakera Ine, localizada no antigo ginásio do Pintolândia. No local, segundo a fala do agente público será construído uma maternidade. O Novo PAC prevê investimentos para Roraima em 31 obras, umas dessas intervenções a ser financiada, com recursos federais, é a construção de uma maternidade, uma parceria firmada com o governo do estado. Porém, os recursos necessários a melhoria do atendimento de nossas mulheres e crianças neonatais, podem desabrigar cerca de 340 indígenas Warao, dentre estes 167 são crianças e adolescentes, conforme relatório publicado pela Texoli Associação Ninam de Roraima (TANER), em parceria com a ASSOER e o SINJOPER. “Na última quinta-feira, me chamaram no trabalho informando que havia 2 homens que chegaram no Yakera Ine, acompanhados pelo BOPE, e queriam falar com nossos Aidamos. Ao chegar encontrei um senhor identificado verbalmente como João e outro como Mateus, dizendo-se representarem a Secretaria de Saúde e que estavam com projeto pronto para iniciar a construção de uma maternidade, no local que moramos desde o ano de 2017”, afirmou Euligio Warao, uma das lideranças da comunidade. Desde a saída da operação acolhida essa é a quarta vez que os indígenas são ameaçados por estruturas do Estado brasileira. A primeira tentativa de expulsão ocorreu, em 2022, logo após a saída da Operação Acolhida (OPA) do abrigo, forjada a partir da resistência de cerca de 280 Warao em mudarem-se para o abrigo Rondon. Posteriormente outras ações do governo do estado de Roraima, em aliança com a OPA tentaram retirar os indígenas dessa comunidade autogestionada. Os supostos representantes da SESAU tiveram parte de sua intervenção gravada. Nela podemos perceber que o prazo de 40 dias é apresentado como limite para saída dos Warao do abrigo autogestionado Yakera Ine. Em sua fala uma das pessoas afirma que a intenção não é expulsar ninguém, “estamos aqui para dá esse primeiro aviso (...) se ninguém quiser sair vamos ter que dar um jeito”. A fala durante todo o tempo foi acompanhada estrategicamente por policiais armados do BOPE que não aparecem nas imagens disponibilizadas. Segundo Euligio Warao, a visita aterrorizadora de representantes do Governo de Roraima não teve apresentação de nenhum documento, seja de notificação ou do projeto a ser construído. “Apenas as pessoas falaram que tínhamos 40 dias para ir ao abrigo Rondon ou arrumar outro local para morar, que não pode ser nas ruas, sehundo falas anteriores da OPA. Quando pedimos documentos que comprovassem a determinação de nossa saída, falaram que estava sendo finalizado”, falou Euligio.   Destino dos Warao A proposta é que os indígenas possam ser deslocados para morarem no abrigo Rondon, movimento já experimentado, pela OPA, e rejeitado em 2022, em virtude da resistência em verem, nos abrigos, suas referências culturais serem rejeitadas, negadas e apagadas pelos gerenciadores do processo de abrigamento. “Já conhecemos a forma de organização dos Abrigos. Lá parece uma prisão, dominados por militares, onde nossa forma de alimentação, organização e festas tradicionais são proibidas”, afirmou Euligio. Uma das maiores resistências apresentadas pela liderança Warao, consiste na invisibilidade que a OPA impõe a forma de organização dos indígenas, chegando a interferir na escolha de representantes indígenas. Fatos esses vivenciados pela maioria dos Warao que moram na comunidade Yakera Ine, quando essa era administrada pela OPA, gerenciamento encerrado em 21/11/2021, conhecido internacionalmente pela criação do cantinho do castigo. As imposições organizacionais da OPA não respeitam as orientações da Convenção 169, especialmente em processos que gerem impactos, onde é determinado que seja efetivada uma escuta dialogada entre o Estado e as comunidades afetadas. Apesar, da gestão pública buscar desconstruir a identidade indígena qualificando-os como imigrantes, a comunidade indígena estabelecida no Yakera Ine consolida elos de valorização cultural e defesa de seu povo. “Não queremos confrontar o Estado. Não queremos impedir a construção da maternidade, isso é importante para nossas mulheres. Agora, não vamos para o Abrigo da OPA, queremos um lugar com água, energia, condições de instalação que o Estado diga podem viver aqui”, afirmou a liderança Warao. Refugiados dos Abrigos Conforme Euligio Warao, muitos dos moradores da comunidade ainda são remanescentes da gestão da OPA nesse abrigo indígena. “No entanto, 40% das pessoas que vivem hoje aqui no Yakera Ine são de indígenas que foram expulsos dos abrigos pela OPA. Lá você não pode contestar uma ordem, isso acontecendo é logo expulso. Lá você não pode receber parentes, pois é expulso. O que vamos fazer em lugar desses?", questiona a liderança. Segundo Euligio Warao existem casos que crianças foram expulsas do Abrigo, enquanto seus pais não. A relação dos indígenas no âmbito do processo imigratório sempre foi tensa e tumultuada pela ausência de profissionais qualificados nas estruturas de gestão que permitissem formas de organização diversa, conforme a realidade dos povos indígenas que imigraram da Venezuela, a partir de 2017. Para Euligio Warao, a estratégia da OPA de criar abrigos com indígenas, ou mesmo misturados com não-indígenas, com 1.000 ou 2.000 pessoas não pode acabar bem. Segundo ele a cultura estabelece relações sociais e comunitárias entre grupos de 150 a 300 pessoas, acima disso, as condições de liderança se perdem e os problemas passam a dominar a realidade dos locais. “É por isso que em 2022 decidimos ficar e criar a comunidade autogestionada Yakera Ine, passamos por muita dificuldade, mas aqui conseguimos manter viva a cultura de nosso povo. Sofremos muitas violências desde nossa expulsão da Venezuela, essa ameaça é mais uma que enfrentaremos em nome de nosso povo e do que acreditamos”, disse Euligio. O que querem os Warao? “Nós queremos um espaço que possamos morar com dignidade. Criar nossos filhos sem o medo de chegar alguém e dizer que temos tantos dias para sairmos do lugar. O Estado brasileiro precisa nos garantir isso”, com base no que determina a Convenção 169 da OIT, aponta a liderança Warao. A reivindicação de um local em que possam construir suas casas e plantar para subsistência, inclui ainda a garantia de acesso a educação e saúde aos membros da comunidade. “Não adianta quererem nos mandar para locais distantes, não aceitamos que nossas crianças deixem de estudar, isso é a única conquista efetiva que podemos deixar para eles, o conhecimento dos não-indígenas e os nossos conhecimentos tradicionais”, disse Euligio. A Violência como ferramenta do Estado Euligio Warao aponta que a saída da Venezuela foi forçada, tendo os direitos sociais e culturais de seu povo arrancados pelos representantes dos governos. “Saímos de lá procurando melhor condição de vida, fomos bem recebidos dentro das condições existentes aqui no Brasil, mas a brutalidade do Estado continua, seja na opressão imposta pela OPA quando estávamos no Abrigo do Pintolândia, ou pelas ameaças realizadas a partir de 2022. Viver com essa constante violência do Estado não é fácil.”, falou Euligio. A comunidade Warao consolidou um elo de parceiros que contribuem com seu processo de autogestão, apesar das barreiras institucionais erguidas, ele caracteriza que o novo golpe é muito forte, cada vez que o Estado com apoio de policiais chega na comunidade e afirmam que as crianças, mulheres e idosos terão que sair, nossa unidade é abalada. “Sentimos medo. Vamos para onde, já que não aceitamos retornar a opressão da OPA?”, questiona Euligio. A reposta a essa pergunta, da liderança Warao, impõe a necessidade de os Entes federados encontrarem um caminho que permita aos indígenas, em condição de imigração, a estruturação de uma comunidade em contexto urbano. Esse é um caminho plausível para que possa garantir melhores condições de vida a esses povos, incluindo os indígenas do abrigo do jardim floresta que deve ser fechado. Reunião com MPF As lideranças Warao solicitaram uma reunião com o procurador da república responsável pelas ações da 6ª câmara, em Roraima, para a próxima terça-feira (28/01/2025), apesar de não ter sido confirmada, até o fechamento da matéria, os indígenas se organizam para se deslocarem e cobrar uma posição do Estado brasileiro, quanto a efetiva necessidade de sua remoção do local onde residem, bem como do destino das mais de 340 pessoas que moram na comunidade Yakera Ine. Um local inviável Palco Aderval da Rocha Ferreira. Foto Fábio Almeida A SESAU expõe constantemente o governador do estado a situações difíceis de serem defendidas pela sua tropa de choque. Essa é uma delas. A construção de uma maternidade exige que o local possa ter tranquilidade para que os pacientes, especialmente as crianças, não sejam perturbadas constantemente por barulhos. O local, confirmada a condição de representantes da SESAU das pessoas que visitaram os Warao, é inviável a instalação de uma maternidade, pois a frente localiza-se o Palco Aderval da Rocha Ferreira, espaço público administrado pela Prefeitura Municipal de Boa Vista, destinado a realização de shows e grandes apresentações. Comunidade Autogestionada Yakera Ine. Foto Fábio Almeida A construção da maternidade, onde se encontra o abrigo Yakera Ine, levaria a gestão municipal de Boa Vista ter que dá outra destinação ao local, acabando com o único espaço público para realização de grandes eventos localizados na zona oeste da cidade. Os prejuízos a população seriam enormes no tocante a garantia de acesso a manifestações culturais. Seguida a obrigatoriedade do estudo de vizinhança e o plano diretor existente, em nossa capital, a visita aterrorizadora dos “agentes da SESAU” não precisaria ter sido realizada, deixando o governo do Estado de expor-se sem necessidade.

Recursos do PAC podem desabrigar indígenas Warao, em Boa Vista/RR
bottom of page