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Novo PL reconfigura gestão de terras indígenas

A aprovação do projeto de lei 2903/2023 consiste em uma afronta a auto-organização das comunidades indígenas e a subjugação do congresso nacional a interesses não republicanos. Por: Fábio Almeida O senado federal aprovou na noite de ontem, 27/09/2023, o PL 2903/2023, antigo PL 490/2007. A proposição legislativa ratificada pela CCJ no período vespertino foi apreciada e vitoriosa com 43 votos favoráveis no plenário da casa legislativa. A proposta estabelece um novo processo de gestão dos territórios indígenas. Caso os normativos sejam sancionados pelo governo federal e mantidos pelo STF criaram zonas de conflitos intensos nos 680 territórios indígenas. O eixo central do projeto girou em torno do estabelecimento do marco temporal, limitação do direito à demarcação de terras indígenas ao dia da promulgação da constituição da república federativa do Brasil, ou seja, 05/10/1988. Não havendo presença indígena no território e a não comprovação de esbulho “materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória”, como apresenta o texto aprovado, será descartada qualquer reivindicação sobre terra. O projeto de lei cria 3 modalidades de terras indígenas: terras tradicionalmente ocupadas; áreas reservadas; e adquiridas. As duas primeiras já eram reguladas pelo estatuto do índio, Lei 6.001/1973 , a novidade são as terras adquiridas que passam a ter caráter privado. No entanto, as condicionalidades apresentadas ao processo demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas inviabilizam sua finalização, em virtude de considerar o artigo 148 do código civil como instrumento ao cancelamento dos laudos se um dos diversos interessados declarar ausência de ciência das diversas etapas criadas pela nova Lei. O que diz o artigo 148 do código civil? "Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou" Outra mudança significativa consiste na possibilidade de revisão das áreas indígenas reservadas, tornando-as aptas a outros destinos agrários, isso em virtude de alterações nos traços culturais da comunidade. Outra mudança significativa é o completo desrespeito aos atos normativos já praticados, ao determinar que os processos não concluídos devem se adequar a lei aprovada pelo congresso. Dados do Cimi apontam que 598 terras indígenas estão em processos de demarcação. STF No entanto, o superior tribunal federal terminou ontem de votação que avaliava a tese do marco temporal, estabelecendo diretrizes ao processo de demarcação das terras indígenas, adotando a teoria do indigenato, descartando desta forma o marco de 05/10/1988 como referência ao reconhecimento dos territórios. A nova rota de coalizão entre o legislativo e a corte mais alta do judiciário irá possibilitar que o marco temporal seja descartado, mas outras regulamentações, estabelecidas no PL 2903/2023 possam ser aprovadas pela corte. Mudanças na gestão das terras indígenas A proposta aprovada pelo congresso nacional afronta diversos normativos legais existentes no país. Especialmente ao estabelecer que as terras indígenas não se sobrepõem à política de defesa e soberania nacional, portanto a construção de bases militares, a exploração de alternativas energéticas e o resguardo de riquezas de cunho estratégico poderão ser implementadas sem consulta alguma as comunidades, a exemplo da atuação das forças armadas e da polícia federal, essas autorizações afrontam a convenção 169 da OIT. Outra proposição alarmante consiste na exclusão da gestão da Funai sobre as terras indígenas que se sobrepõe a unidades de conservação, passando a responsabilidade ao órgão gestor ambiental. A gestão e regulação do trânsito de visitantes e pesquisadores passam a ser regulamentados por esse novo interveniente no território indígena. Os prestadores de serviços responsáveis pela manutenção, instalação ou realização de obras e equipamentos públicos passam a ter liberdade de trânsito sem a necessidade de autorização da Funai, confrontando o estatuto do índio. O normativo legal que necessita ser vetado integralmente pelo poder executivo cria no artigo 26 a celebração dos instrumentos de cooperação e contratos, envolvendo indígenas e não indígenas para exploração das terras demarcadas ou reservadas. Sendo permitida toda atividade econômica nos territórios, desde que gerem receitas às comunidades, as quais deverão aprovar essas relações. Aqui temos uma mudança significativa ao proceder que uma comunidade possa celebrar parcerias, mesmo que as demais comunidades da TI rejeitem os atos de exploração agrossilvipastoril ou de mineração. os principais vencedores foram lobbies destes setores produtivos ao garantir sustentabilidade aos seus interesses dentro dos territórios, situação que expõe os indígenas a lógica do retorno das cercas e das proibições de circulação em suas regiões. O parágrafo único, do artigo 27, prevê que o turismo de caça e pesca possa ser praticado nos territórios. A proposta de organização segue a mesma lógica dos contratos de cooperação que admitirão que nossas onças possam ser alvejadas por caçadores, aqueles famosos CAC’s armados pela extrema direita brasileira. Essa proposta imporá transformações imensas nos territórios, relegando aos povos indígenas muitas dificuldades de sobrevivência. Outra medida indecente que possui o texto, capitaneado pelo deputado federal Arthur Lira (PP/AL), prevê a autorização baseada na utilidade pública do estado brasileiro fazer contatos com povos isolados. Essa proposição coloca em risco a vida de brasileiros e brasileiras que decidiram viver afastados da dura realidade de opressão e sofrimento imposta pela sociedade envolvente. Muitos dos 115 povos isolados não mantêm contatos nem com outras comunidades indígenas. Agora, terão que conviver com um Estado que se acha no direito de construir uma estrada ou uma torre de transmissão de energia. O artigo 29 conclui o texto central do PL 2903 estabelecendo a isenção de qualquer imposto, taxa ou contribuições a exploração mineral, energética e hídrica realizada pelos indígenas, mesmo por meio de seus parceiros não indígenas, ações essas que obrigatoriamente terão a necessidade de passar por aprovação do congresso nacional, o qual não precisará respeitar a posição dos povos que residem nas terras, desde que uma comunidade autorize o processo de exploração. O projeto ainda altera o artigo primeiro da Lei 11.460/2007 permitindo o cultivo de sementes transgênicas nas terras indígenas. A adoção deste tipo de cultura agrícola retira dos indígenas o domínio de suas sementes, transformando os povos em segmentos dependentes das grandes corporações produtoras deste insumos, a exemplo, do que ocorre hoje em muitos assentamentos da reforma agrária, onde a produção agrícola torna-se inviável devido aos altos custos e o fim das sementes crioulas. Ao observar o texto na íntegra compreendemos que a adoção da tese do marco temporal serviu como pano de fundo aos interesses dos lobbies privados da construção civil, mineração e agricultura de grande porte na aprovação no congresso dos seus interesses de ampliação de lucro. A academia, o MPF, as organizações indígenas e a população em geral devem cobrar o veto deste texto infraconstitucional, pelo presidente da república, bem como a manutenção desta rejeição no congresso nacional. Esse retrocesso jurídico representará a retomada do processo de extinção de povos indígenas no país, interrompido a partir da constituição de 1988.

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