Cesta básica custa mais de 60% do salário mínimo em Boa Vista e moradores reclamam: 'desesperador'
Na capital de Roraima, os itens da cesta básica elencados pelo Dieese custam em média R$ 727,52. Roraima não possui levantamentos oficiais do departamento. Por: Caíque Rodrigues e Ruan Carneiro Foto: Ruan Carneiro Os itens da cesta básica chegam a custar ao trabalhador em Boa Vista 60,03% do valor do atual salário mínimo no Brasil. É o que aponta um levantamento feito nesta terça-feira (5) em quatro supermercados na capital de Roraima. Em média, o preço dos produtos custam R$ 727,52, mais da metade do salário mínimo R$ 1.212. Em meio aos altos valores, moradores da cidade reclamam e pedem às autoridades que façam reajustes nos preços, “a situação é desesperadora”. O salário mínimo atual começou a valer em janeiro de 2022. Os itens básicos mensais são previstos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) , que deixou de realizar as pesquisas em Roraima em 2017. Em estimativa publicada em abril de 2022, o Dieese revelou que o salário mínimo ideal no Brasil deveria ser de R$ 6.754,33 . Ao todo, são 13 produtos que compõem a cesta básica atual de acordo com o departamento. Além dos produtos, o Dieese também elenca a quantidade mínima básica mensal para cada item. Para a carne, foram analisados os preços do chã de dentro, para a fruta, foi pesquisado a banana, enquanto para a salada, o tomate. Veja a média dos preços nos quatro supermercados no abaixo. Arte: Ruan Carneiro Entre os produtos alimentícios básicos, o de maior valor é a carne, que nos supermercados visitados pela reportagem custa em média R$ 253,42, seguido pelo leite (R$ 108,56) e pelo tomate (R$ 93,93). Arte: Ruan Carneiro Com o valor da cesta básica, moradores de Boa Vista reclamam dos preços. A professora aposentada, Leoni Rodrigues, de 52 anos, costuma fazer compras todos os meses em um supermercado localizado no Centro. Ela descreve a situação como “desesperadora”. “Olha, para ser bem sincera a situação é desesperadora. Com R$ 200 não conseguimos fazer o rancho da semana. Ainda bem que eu consigo comprar o que eu preciso para mim e minha família sem falta nada, mas penso muito em quem não consegue”, relata a professora. Foto: Caíque Rodrigues Ela conta que gosta de cozinhar a própria comida e sente “prazer” em preparar comida para os dois filhos. Por isso, mesmo com os altos preços, faz questão de comprar ela mesma os itens do lar. “Eu que venho comprar as coisas lá de casa sempre. Fico sempre de olho nas promoções, as vezes a gente consegue achar alguma coisa barata e isso é um alívio. Mas eu só queria que houvesse um reajuste nos preços dessas coisas básicas, isso é muito sério”. A babá Débora Carvalho, de 56 anos, considera "um desrespeito à população" o aumento de preços. Além da elevação no valor de diversos produtos, ela destaca o leite e a carne como os itens mais caros da sua compra. Procurar por promoções, diminuir ou cortar o consumo, são as saídas encontradas por ela. Foto: Ruan Carneiro “Eu venho fazer compras uma vez ao mês e me assusta toda vez que chego aqui. Eu já cheguei a parar de comer muitas coisas para levar o básico pra minha família, é desrespeitoso com a população que já recebe pouco e ainda tem que pagar esse absurdo só pra ter comida dentro de casa, isso é o básico”. Ela relata a dificuldade não só em pagar e levar comida para sua mesa, mas também ter o dinheiro suficiente para ter o que comprar. E que uma das alternativas chega a ser cortar refeições próprias para deixar seus netos comerem. “Eu deixo de tomar café em casa para ter leite para meus netos, às vezes como no serviço quando posso, outras vezes eu seguro minha fome até o horário do almoço, é o jeito que eu tenho de tentar segurar a comida até o final do mês”. O aumento dos produtos da cesta também afeta diretamente a rede de comércio alimentício, quem trabalha na área sente a dificuldade em manter o negócio ativo. Adrienny Santos largou seu emprego de caixa de loja e decidiu apostar, junto com seu marido, em um restaurante, mas logo foi surpreendida com o aumento relativo dos insumos. “É uma luta diária pra conseguir pagar o mercado hoje em dia, você tem que tá diariamente nos supermercados e diariamente os preços aumentam também. Tem que pesquisar muito e muitas das vezes ‘pechinchar’ para ver se consegue algo, os preços só aumentam e nosso bolso já não aguenta” Foto: Ruan Carneiro A microempresária destaca que grande parte dos produtos que utiliza, são os itens básicos que compõem a cesta. E que de certa forma, tenta usar a criatividade para driblar toda essa alta de preço criando pratos criativos que deem um retorno tanto no bolso quanto no paladar dos clientes. Mas não é somente como os altos preços dos insumos afetam seu negócio com que Adrienny se preocupa, todo esse gasto também se aplica com o sustento da casa. “Lá eu tenho gastos diferentes daqui, tenho uma casa para colocar comida também. Não é fácil porque os alimentos cada vez aumentam mais, seiscentos reais não é nem o básico, já chorei querendo desistir porque me faltou comida em casa, tivemos que buscar uma renda fora daqui, não tá fácil nem se alimentar”, finaliza. Levantamento A reportagem visitou quatro supermercados localizados em pontos estratégicos no Centro, zona Leste e na zona Oeste de Boa Vista. Os dados mostram que, embora os valores sejam diferentes entre um local e outro, os preços não variam muito. Nos infográficos abaixo, é possível ver os preços em cada supermercado visitado, com os itens e quantidades mensais previstas pelo Dieese. No supermercado “A”, localizado na avenida Getúlio Vargas, no Centro, o consumidor precisa pagar R$ 701,06 mensais para ter acesso aos itens da cesta básica. O produto mais caro observado é a carne, no valor de R$ 257,94 Arte: Ruan Carneiro Já no supermercado “B”, localizado na avenida Mário Homem de Melo, no bairro Mecejana, zona Oeste de Boa Vista, o trabalhador precisa desembolsar R$ 684,25 mensais para comprar os produtos. Entre os supermercados visitados, esse é o menor valor total. Arte: Ruan Carneiro No supermercado “C”, localizado na avenida Dom Aparecido José Dias, bairro Cidade Satélite, em outro ponto da zona Oeste, o valor mensal total da cesta básica é R$ 753,60. O leite é o segundo item mais caro, chegando ao consumidor no valor de R$ 6,99 o litro. Arte: Ruan Carneiro O último local visitado pela reportagem foi o supermercado localizado no bairro Paraviana, zona Leste de Boa Vista. O valor da cesta básica mensal é de R$ 771,18, o mais alto entre os pesquisados. Arte: Ruan Carneiro Aumento nos preços Para o assessor econômico da Fecomércio de Roraima, Fábio Martinez, a alta nos preços, de forma geral, é algo vivido em todo mundo por conta da crise financeira. Essa crise afeta os insumos e, com isso, os produtos da cesta básica. “Na verdade, isso [aumento nos preços] é uma coisa até mundial. A inflação está pegando pra todos os lugares principalmente na questão dos alimentos. A gente tem um aumento dos insumos de produção, que encarece a produção dos produtos alimentícios, consequentemente sendo repassado para o preço das mercadorias”, explica o economista. Foto: Ruan Carneiro Ele explica também que outro fator decisivo para os altos valores da cesta básica é o aumento no preço da gasolina. Para ele, o alto combustível afeta a exportação e importação, influenciando nos produtos alimentícios “automaticamente”. “Outro fator importante é o aumento no preço dos combustíveis que acaba encarecendo o frete e consequentemente sendo repassado também pras mercadorias. Porque hoje em dia basicamente quase todos os produtos têm um tipo de custo de transportes. E com o aumento do preço dos combustíveis isso acaba levando o preço de todas as mercadorias, inclusive os itens alimentícios”, explica. O aumento na exportação de produtos alimentícios também afetam negativamente os preços em todo o Brasil. “Outro fator é o aumento das exportações, que faz com que seja mais vantajoso para os produtores agrícolas exportar a sua produção do que comercializar internamente. Ainda mais pensando num quadro de desvalorização do real em comparação ao dólar. Então fica mais vantajoso para eles exportar”. “Aqui em Roraima a gente também vê esse aumento das exportações de produtos alimentícios, principalmente pra Venezuela. E se, por um lado, as exportações são boas porque gera emprego e renda aqui pro estado, por outro aquele produto que é exportado deixa de ser ofertado no mercado local”, explica Fábio Martinez. Em relação ao poder de compra do roraimense, o assessor da Fecomércio destaca que a diminuição é sempre proporcional ao aumento no preço da cesta básica. “Hoje em dia, a população não consegue comprar a mesma coisa que comprava no ano passado ou há um mês, por conta do aumento do preço das mercadorias. Isso compromete muito o poder de compra, principalmente daquelas pessoas que vivem com o mínimo”. Para ele, quem precisa viver apenas com o salário mínimo no Brasil precisa fazer “verdadeiras mágicas” para conseguir equilibrar as finanças. Ele destaca a importância de priorizar o básico nessas situações. “Nesse malabarismo que é viver com um salário mínimo, a primeira coisa que as pessoas devem verificar é a questão dos itens essenciais. O que é supérfluo? O que eu posso reduzir ou o que eu posso deixar de comprar pra tentar caber? Precisamos fazer esses questionamentos”. “Esse controle dos seus gastos é essencial, principalmente pras pessoas que recebem menos. Porque elas vão ter que fazer, vão ter que se adaptar a esses aumentos de preços”. Fábio Martinez pontua que tentar conseguir uma renda extra é sempre bem-vindo nesses casos. “Outra possibilidade é tentar conseguir algum tipo de renda extra para complementar o seu salário, a sua renda e consequentemente conseguir suportar o aumento dos gastos. E isso vale também para aquelas famílias que gastam muito com lazer e outras coisas não urgentes”, finaliza. Dieese em Roraima O Dieese é uma entidade que atua no Brasil desde 1955, onde são feitos levantamentos e estudos socioeconômicos. É mantido por movimento sindicais no Brasil. Foto: Ruan Carneiro Os trabalhos do Dieese em Roraima foram descontinuados em 2017 após a não renovação do contrato com o Governo Federal, à época, liderado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). De acordo com a ex-coordenadora do departamento em Roraima, a economista Adisley Machado, o motivo foi o corte de gastos. “O Dieese tinha um convênio com o governo federal que possibilitava esse trabalho em todas as capitais. Esse convênio foi cancelado para conter gastos assim que o ex-presidente Temer assumiu. Desde então, são poucos estados que ainda tem essa divulgação”, explica. O Dieese atualmente atua apenas em 17 capitais brasileiras , sendo elas: São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Campo Grande, Curitiba, Brasília, Vitória, Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte, Belém, Recife, Natal, João Pessoa, Salvador e Aracaju.