1303: As vidas roraimenses interrompidas pela Covid-19.
Por Bruna Gomes e Karolline Sales. Último encontro em família. ( Foto: Arquivo pessoal Karolline Sales) "Eu não tive luto. Quando minha mãe entrou na UTI, eu também já estava acamada e não pude me despedir dela”. Esse é o relato da servidora pública, Sâmara Sales, de 51 anos, que não pode se despedir da mãe, a aposentada, Neize Souza, de 73 anos, que faleceu em decorrência da Covid-19 em janeiro deste ano, quando ela estava internada devido a complicações ocasionadas pelo vírus. A servidora pública que também contraiu o vírus passou 33 dias internada em um hospital particular da capital. Durante esse período, ela perdeu a mãe, e não pôde se despedir. "Quando minha mãezinha morreu, eu já não tinha mais emoção, e não consegui me despedir, pois também estava com meu estado de saúde muito grave", Retorno para casa ( Foto: Karolline Sales) Após quase dois meses, Sâmara ainda tem que lidar com as consequências do vírus no organismo. Ela recentemente voltou a se alimentar sozinha depois de mais de 50 dias, sem conseguir realizar esta ação. Além disso, o cansaço e a fadiga são constantes. "Hoje eu não estou andando ainda, e o cansaço é frequente, mas graças a Deus estou viva, e agradeço muito por isso”. O Luto em tempos de pandemia Os rompimentos de vínculos abruptos ocasionados pelas mortes de Coronavírus têm gerado em muitas pessoas mundo afora a impossibilidade de vivenciar o luto, devido a rapidez dos acontecimentos. Por ordens de segurança sanitária, as vítimas da covid-19 não podem ser veladas e as funerárias devem seguir regras de segurança para evitar a propagação do vírus. De acordo com o teórico da psicologia, o luto é um processo natural que ocorre em reação a um rompimento de vínculo com um ente querido. Para o psicólogo Wagner Costa, os rituais fúnebres são importantes para toda e qualquer sociedade e cultura. “O velório tem a função social de preparar as pessoas que perderam seus entes que a partir daquele momento elas só poderão conviver com as memórias da pessoa que partiu”. Segundo Wagner, é importante que todos vivenciem esse momento e cada pessoa tem seu próprio processo de luto. “O luto pode acontecer de formas diferentes, há autores que falam que não há um tempo para esse processo e isso varia de cada um”. Durante o período de pandemia em que muitas pessoas não puderam se despedir das vítimas, o psicólogo orienta que mesmo a distância os familiares realizem o processo de despedidas de acordo com as crenças religiosas. “Perder um parente ou alguém que você ame é sempre muito dolorido e por isso todos nós devemos ter paciência com aquele que precise de mais tempo para superar e vivenciar seu luto”. Casos em Roraima Desde o início da pandemia da covid-19 no mundo, já morreram mais de dois milhões e meio de pessoas e o número de contaminados ultrapassa os 100 milhões, segundo dados da Organização Mundial da Saúde . Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de mortes da Covid. Na última quarta-feira (24), o país atingiu a marca dos 300 mil mortos e fica atrás apenas dos Estados Unidos, que soma mais de 500 mil mortes desde o início da pandemia. O estado de Roraima registrou a primeira morte no início de abril de 2020, e desde então, 1303 pessoas faleceram em decorrência do vírus, de acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde (Sesau) . Além disso, outras 88 mortes estão em investigação. Fevereiro deste ano foi o mês em que o Estado mais registrou mortes, no total foram 248 vidas perdidas. Em um dos piores dias da pandemia, foram registrados 29 óbitos em 24 horas. Outra vítima da Covid-19 em Roraima foi Adalberto Pires da Silva, ele faleceu aos 70 anos devido a complicações ocasionadas pela doença. O filho dele, João Guilherme Pires, relatou que nos primeiros dias de sintoma a família imaginou que poderia ser outra doença. “Antes de ele realizar o teste (Swab) , ele sentia com frequência muitas dores nas costas e dores no peito, ele também se cuidava muito então a gente achou que poderia ser outra coisa”. Após receber o resultado do teste viral, Adalberto procurou um médico para a realização de exames, e lá foi constatado uma baixa saturação, devido a isso ele foi internado. Durante esse período, apesar de estar consciente, ele não apresentou melhoras em seu quadro clínico e precisou ser entubado. De acordo com o filho dele, João Pires, apesar do estado de saúde agravado, Adalberto nunca se entregou ao vírus. “O meu pai pedia para a gente não ficar lá, porque não queria que a gente se contaminasse. Nós não achávamos que ele estava ruim, ele se movimentava, comia sozinho. No dia em que ele subiu para a UTI, ele estava tranquilo, falando e após sete horas ele faleceu. Nós só recebemos a notícia pela manhã quando acordamos”, finalizou João Pires. Muitos profissionais da saúde que atuam na linha de frente no combate a Covid-19 também precisam lidar diariamente com o luto. Como é o caso da enfermeira Amanda Ramos, de 25 anos, que trabalha no Hospital Geral de Roraima. Ela relata as dificuldades de trabalhar diretamente com os pacientes mais graves da doença. “Para nós também é difícil a evolução acelerada da doença, receber o paciente conversando no dia da admissão, lutando para fazer a VNI (ventilação não invasiva), e quando retornamos no plantão seguinte encontramos o paciente entubado e em estado grave, e mesmo após todos os nossos esforços, todas as tentativas, às vezes 3 ou 4 dias depois, o paciente infelizmente morre”. Doses de esperança No fim de janeiro deste ano, o Ministério da Saúde iniciou a campanha de vacinação do grupo prioritário. Até o momento, o Brasil já vacinou cerca de 13 milhões de pessoas, o que totaliza 6,3% da população. O estado de Roraima desde o início da campanha de vacinação recebeu 127.360 doses de acordo com vacinometro RR e aplicou 96.700 doses entre idosos, profissionais da saúde e indígenas. Atualmente a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), autorizou o uso de duas vacinas, a primeira foi a CoronaVac produzida por um laboratório chinês em parceria com o Instituto Butantã e a segunda a AstraZeneca produzida pela Universidade de Oxford e desenvolvida em parceria com a Fiocruz. Nesta quarta-feira (25), a Anvisa recebeu o pedido de liberação do uso emergencial da vacina Jassen do grupo Johnson e Johnson, a expectativa do governo federal é receber cerca de 16,7 milhões de doses para imunizar a população ainda no primeiro trimestre.