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Foto do escritorFabio Almeida

Grupo de Sanumá é ameaçado de remoção pela Prefeitura de Boa Vista

Kasi, Tisawa e Paloma Sanumá. Foto Fábio Almeida

“Não pode chegar e dizer que vai tirar. Eu sou indígena não sei procurar outro lugar. Quero ficar aqui”. Essa afirmativa de Paloma Sanumá reflete o completo desespero de 40 indígenas que se encontram morando em uma área de preservação ambiental no Jardim Tropical I. Na última terça-feira receberam a visita de fiscais da EMHUR e do Meio Ambiente que deram 10 dias para eles deixarem o local.


Segundo a liderança, Tisawa Sanumá, o deslocamento do grupo ocorreu cerca de 2 anos atrás. Dois fatores são apresentados como fundamentais ao processo de deslocamento da Terra Indígena Yanomami para a cidade de Boa Vista. A primeira delas foi a fome. A segunda a garantia de cuidados para a criança G. Sanumá que possui deficiência mental e exige cuidados especiais.


Kasi Sanumá. Foto Fábio Almeida

O relato de Kasi Sanumá demonstra outros problemas existentes que incentivaram a mudança. “Lá na comunidade uns parentes morreram colocando a corda no pescoço. Muito triste isso. Nós temos medo de que outros parentes façam a mesma coisa. Por isso estamos morando aqui na cidade”. Kasi tem 28 anos, ao lado de seu irmão Tisawa lideram o grupo que possui 18 crianças, a grande maioria menores de 10 anos de idade.


Expulsão


A prefeitura municipal realiza uma obra de pavimentação na área com a construção da Avenida Parque Céu Azul que ligará a avenida Olímpico a rua Lourival Coimbra. Apesar das famílias Sanumá e Macuxi, lá residentes, não atrapalharemtiveram a execução dos serviços tiveram a determinação de saída da localidade. Algumas famílias receberam a notificação da gestão municipal, estabelecendo 20 dias para deixarem suas casas. Já os Sanumá não foram notificados, apenas informados que possuíam 10 dias para deixarem o local, prazo que termina na próxima sexta-feira.


Na localidade várias famílias sem-teto residem em casas improvisadas, ante a ausência de uma política de moradia popular mantida pela prefeitura ou pelo governo estadual, situação que amplia as condições de iniquidades, ante a inexistência de áreas públicas em nossa cidade para que pessoas de baixa renda possam estabelecer moradia. O déficit habitacional em Boa Vista é de cerca de 10 mil famílias, aqui computadas as pessoas que possuem registro, as que se encontram em áreas como os Sanumá, não se encontram nestes cadastros.



A prática da gestão municipal sabemos ser do uso da força para deslocamento de famílias sem-teto em nossa capital. Não possuindo trabalho algum de identificação e acolhimento das famíliaspessoas vulneráveis. A ordem é cacetete, tratores para destruir as casas e os poucos bens existentes e a rua como destino. A ocupação daqui, será a ocupação dacolá. Ou seja, a ausência de uma ação pública expõe crianças, jovens e adultos a riscos permanentes.


Um fato incompreensível é que as famílias foram notificadas por ocuparem a margem esquerda do igarapé do Paca. Ocorre que na rua quarta nascente vaŕias residências e chácaras ocupam a área de preservação ambiental. Uma das famĺias notificadas que possuem 9 pessoas, sendo 3 crianças e 3 adolescentes, morando em 12m² questionou o motivo de terem de sair, enquanto do outro lado do igarapé tá tudo ocupado por casas, cheio de cerca e muro. 


Em uma das residências notificadas foi lavrada uma multa de R$5 mil em virtude de terem construído uma cerca em volta da casa edificada com restos de forro de PVC, papelão e telhas de fibrocimento. A construção foi feita para proteger as crianças e as galinhas, essas são as vezes a única fonte de alimento que temos, principalmente nos finais de semana, quando não tem escola e as crianças precisam comer. “Ou pago aluguel e vejo meus netos e filhos morrerem de fome, ou moro nesta situação e garanto o mínimo de segurança alimentar e cuidado com minha saúde, pois tenho problemas na coluna”, afirmou a moradora Macuxi multada pela gestão municipal. Todos os dias seus filhos se deslocam para coletar água, pois com a obra de drenagem, necessária ao asfaltamento, a empresa Coema rompeu o cano que levava água para a residência.  


O deslocamento para Boa Vista dos Sanumá

Neste caso específico tratamos de um grupo indígena em situação de extrema vulnerabilidade. Estruturada pelo caos que se transformou o território em virtude de múltiplos fatores, especificamente estes indígenas que não foram impactados diretamente pelo garimpo criminoso, financiado por empresas e políticos roraimenses. São outros os fatores que não observados, pelo poder público, ampliam as dificuldades de sobrevivência na TI.


“Não tínhamos o que comer. O peixe e a mandioca são pequenos, não crescem mais. A caça tá muito longe é muito difícil pegar. As crianças vão ficando magrinhas, fracas e morrem. Não quero viver assim. Não quero ver as crianças morrendo. Por isso, estamos morando aqui”, afirma Kasi Sanumá. Segundo o jovem, Cásio Sanumá, 24 anos, na cidade as crianças não estão mais magrinhas, elas brincam e sorriem. “Nós queremos continuar aqui, não queremos voltar para comunidade”, afirma Cásio.


Alguns dos Sanumá que se encontram morando no bairro jardim tropical I, ameaçados de expulsão pela prefeitura municipal de Boa Vista, vieram para cidade em virtude de tratamento de saúde, removidos de sua comunidade Holomai, pelo DSEI-Yanomami. “Antigamente morávamos em Auaris. Mas a morte com corda no pescoço de uns jovens e de conflitos fez com que Tisawa mudasse de lugar, fundamos nossa comunidade. Mas, era difícil, além da fome não tinha como ter um bom atendimento para o G. Sanumá que possui deficiência. Hoje, moramos aqui. Queremos ficar aqui, nesse lugar”, falou Kasi.


Um local para dormir


Paloma Sanumá. Foto Fábio Almeida

Paloma Sanumá em sua fala disse que não pode ficar sem ter onde atar a rede para o G. Sanumá. “Preciso ter um local para dormir. Aqui é nosso local, Aqui é nossa comunidade agora. Estamos todos bem”. O local escolhido para morar, nestes dois últimos anos, se encontra às margens do igarapé do Paca, simulando uma referência da TI. “Não queremos casa, queremos um lugar como esse. Quero ficar aqui”, afirma Paloma. O local de moradia possui 5 barracos sem paredes, levantados por meio de madeira e cobertos de lona, onde os indígenas possuem redes e camas. Além destes ambientes foi construída uma cozinha improvisada, local em que os alimentos são preparados.


Fonte de renda

A única fonte de renda dos Sanumá é a catação de latinhas realizada todos os dias pela manhã. O pouco recurso arrecadado é utilizado para compra de comida e material de higiene. Segundo eles conseguem juntar cerca de R$100,00 por semana, uma quantia insuficiente para garantir a sobrevivência de todo o grupo. “As pessoas ajudam, tem a Meire - Presidente da Associação Pequeno Profeta - que ajuda com comida. As pessoas aí da frente também doam comida e roupas”, falou Kasi Sanumá. Uma das mulheres Sanumá é cadastrada no bolsa família, o dinheiro ajuda a comprar comida e remédios.


Latinhas coletadas no sábado pela manhã. Foto Fábio Almeida

A fragilidade deste grupo de Sanumá reflete o abandono que os povos da TI Yanomami enfrentam nos últimos anos, seja pela suspensão ou descontinuidade de políticas públicas, ou pela mudança de hábitos culturais que impactam a sobrevivência. O sedentarismo das comunidades dificulta a alimentação em virtude da forma rudimentar de produção agrícola, bem como a escassez de caça e pesca em virtude das longas permanências, ampliam a insegurança alimentar. A qual não pode ser resolvida com a distribuição de sardinha e feijão. É preciso que comecemos a pensar em conjunto com as lideranças indígenas da TI Yanomami formas de melhorar a produção alimentar permitindo  condições adequadas de sobrevivência no território.


É fundamental que o Estado brasileiro comece a observar como receber e potencializar a sobrevivência desses indígenas na cidade, a fim de que não se ampliem as condições de vulnerabilidade, passando os jovens a serem seduzidos pelas organizações criminosas e a prostituição possa ser uma fonte de renda. A vulnerabilidade dos indígenas da TI Yanomami que vivem nas cidades precisa ser enfrentada, pois a ausência de documentação impede o acesso das crianças aos estabelecimentos de ensino, ampliando o risco de institucionalização em virtude do descumprimento do ECA. 

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