O auditório do programa de mestrado PPGSOF (UFRR) foi palco de aterrorizantes notícias que apontam o crescimento da violência no campo contra assentados da reforma agrária, ribeirinhos e indígenas. Os crimes registrados perpassam vários tipos de agressão e demonstram como a força passa a determinar o processo de posse da terra no Estado.
Em 2023, foram registrados 48 conflitos de terra em Roraima, envolvendo um total de mais de 11 mil pessoas atingidas direta e indiretamente, 99% dos registros foram realizados em territórios indígenas, envolvendo 16 terras demarcadas. Demonstrando a centralidade dos conflitos agrários no Estado em torno dos indígenas que possuem um amparo constitucional pelo direito à proteção de seus territórios.
No entanto, os conflitos contra pequenos proprietários de terra e sem-terra ampliam-se no Estado, após o processo de regularização fundiária conduzido pelo governo do estado, sob com muitas denúncias de grilagem. As 3 ocorrências de 2023 foram registradas em Mucajaí no Acampamento Lula Livre, no assentamento Luizão, em São Luiz e em Rorainópolis em um sítio localizado na vicinal 6.
No Estado, no último ano, 37 trabalhadores foram resgatados de condições análogas a escravidão nos municípios de Amajarí, Cantá, Boa Vista, Caracaraí e Rorainópolis. Apenas, a fazenda Flores, que pertence ao ex-chefe da casa civil do governo de Denarium, Disney Mesquita teve resgatado de sua propriedade no Amajari 21 trabalhadores. O fazendeiro teve seu nome incluído no cadastro nacional de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas a escravidão em abril de 2024.
No ano de 2023, ainda foi registrado 2 conflitos pela água, ocorridos nas terras indígenas Trombetas-Mapuera, onde residem os Wai-Wai e na Ti Yanomami. As situação estão diretamente ligadas a contaminação de mananciais, promovendo o processo de disputa pela água de qualidade. As secas recorrentes também começam a delimitar novas zonas de conflitos, especialmente em virtude de indígenas e assentados preservarem seus mananciais e olhos d’água.
Os dados disponibilizados no relatório de conflito no campo, publicado pela CPT, demonstram o claro crescimento dos conflitos no campo em Roraima. Um dos gráficos do estudo aponta que entre 2010 e 2016 houve uma média de 7 conflitos registrados, já entre os anos de 2017 a 2023 foi de 32,7, um crescimento de 367%. Esse indicador é o maior entre todos os Estados da federação, o segundo colocado em ampliação de violência é o Amazonas e apresenta um indicador de crescimento de 202%.
A violência contra a pessoa registrou 27 ocorrências em Roraima, sendo: 4 assassinatos; 13 tentativas de assassinatos; 3 casos de trotura e 7 pessoas agredidas. Os 4 óbitos registrados ocorreram em virtude do grave conflito estabelecido a partir do garimpo associado ao crime organizado, políticos e empresários dentro da TI Yanomami, encantando 3 homens e uma mulher.
O relatório anual da CPT cataloga registros por situações de disputa, classificando-as em conflitos: por terra; pela água; trabalhistas; tempos de seca; áreas de garimpo e sindicais. Para mensuração dos dados que refletem um olhar sobre a violência de um campo invisibilizado são utilizadas fontes primárias e secundárias, as primeiras ligadas a rede de atuação da CPT e seus parceiros eclesiais, leigos e civis, as demais informações são coletadas de jornais e do poder público.
Brasil e a violência no Campo
Os dados demonstram que, entre os anos de 2014 e 2023, os conflitos no campo aumentaram em 57,5%, essa tendência repercute no aumento em cada conjunto de conflitos pesquisados, dentre eles destaca-se: o aumento de 64,23% na disputa pela água de qualidade; no registro de trabalhadores em situação análoga a escravidão; e a disputas diretas pela terra.
No ano de 2023 foram registrados 359 invasões irregulares de áreas de pequenos produtores e terras indígenas por fazendeiros e grileiros. A violência demonstra sua marca mais terrível quando computamos 264 tentativas de assassinato cometido por pistoleiros, 73 casas destruídas e outras 37 pessoas foram expulsas de suas casas. A destruição de pertences e roçados somam 66 ocorrências.
Nos últimos 10 anos, 420 pessoas foram assassinadas no campo em virtude de conflitos por terra, uma média de 42 assassinatos por ano. Em 2023 foram 31 assassinatos, destes, 45,17% foram indígenas, 29,03% sem terra, 12,9% posseiros, 9,68% quilombolas, 3,22% funcionários públicos. No Brasil, a região que mais se destaca pela violência é a área de 32 municípios que abrangem a divisa de Amazonas, Acre e Rondônia, onde existe a Zona de Desenvolvimento Sustentável de Abunã-Madeira, conhecida como Amacro, onde se registrou 34% dos assassinatos or.iginados do conflito no campo.
O gráfico 2 demonstra que a incidência dos conflitos é oriunda do avanço da fronteira agrícola, além das ações promovidas pela aristocracia agrária que busca ampliar seu poder local por meio do acúmulo de terras, essa é uma realidade da triste história agrária de nosso país. Em Roraima os conflitos surgem em todos os munícipios no processo de regularização fundiária promovida pelo governo do estado. Em abril vários pequenos agricultores de Iracema denunciaram a pressão sofrida sobre seus lotes por um fazendeiro que possui apoio das forças de segurança estaduais.
O pano de fundo desses conflitos é a disputa pela terra e a tentativa de ampliação da sua concentração. Dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), do Incra, divulgados em 2018, demonstram que 471,2 milhões de hectares possuíam registros em propriedades com mais de 15 hectares, representando 55,37% de todas as terras brasileiras. Um total de 24% do território nacional é composto por unidades de preservação integral e territórios indígenas, locais que não podem ter propriedades rurais. Essa concentração de terra amplia a pobreza no país, agora querem avançar sobre as áreas protegidas.
A Lei 14.701/2023 aprovada pelo congresso nacional amplia esses conflitos e a possibilidade de mais terras serem destinadas a grandes propriedades, aumentando a concentração de terras, ao regular que as demarcações das 255 terras indígenas que se encontram em processo de demarcação devem respeitar o marco temporal de 5/10/1988, dia da promulgação da constituição federal, além de estabelecer que terras indígenas que perderam suas características podem ter a demarcação revertida e ser destinada para outros fins.
Ao final do encontro os participantes reafirmaram a intenção de ampliar a luta dos movimentos sociais e sindicais em torno da democratização do acesso a terra, bem como a adoção de um modelo de desenvolvimento agrário que garanta sustentabilidade alimentar e seja reorganizado por meio da proteção do pequeno produto. Para os participantes, na atual conjuntura, apenas a unidade entre as diversas organizações e pessoas é capaz de resistir aos ataques promovidos pelo congresso Nacional.
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