Moradores e vendedores de Roraima contam como a venda de roupas usadas ajudou de diferentes formas no dia a dia.
Por: Caíque Rodrigues e Fernanda Vasconcelos
Foto: Caíque Rodrigues
Com o aumento dos preços em serviços básicos como comida, energia e combustível, ficar na moda acaba pesando no bolso. Pensando nisso, moradores de Boa Vista, em Roraima, optam por comprar roupas usadas – e, por isso, mais baratas – em brechós. Eles garantem: é econômico e fashion.
Não há números oficiais sobre o crescimento das compras em brechós mas, de acordo com o assessor econômico da Fecomércio de Roraima, Fábio Martinez, o aumento é perceptível e se dá pelo o que chamou de “inflação generalizada”.
“Não temos números oficiais sobre a adesão dos brechós, mas percebemos o crescimento desse tipo de venda. Quando temos uma perda do poder de compra da população, o que é chamado de 'segunda linha' tende a ter um aumento no consumo”.
“Por exemplo, se o preço da carne está muito caro, acabamos consumindo mais carne de segunda, pois a renda acaba perdendo o valor, por conta da inflação generalizada. Isso acaba se aplicando a outros segmentos, como veículos usados, e as vestimentas”, explica o economista.
Em Boa Vista, os itens da cesta básica chegam a custar ao trabalhador em Boa Vista 60,03% do valor do atual salário mínimo no Brasil e isso, de acordo com Fábio, resulta na queda do poder de compra do roraimense.
“Isso é uma tendência e uma consequência da perda do poder de compra. As pessoas acabam consumindo mais serviços que chamamos de 'segunda linha' por ser mais barato”.
“Olhando para o lado da economia, isso é muito bom, pois uma peça que você iria jogar fora, pode ser reutilizada, criando valor, renda e mercado”.
‘Grife a preço de banana’
Foto: Caíque Rodrigues
Izoleide Melo é servidora pública e, ao todo, ela já comprou mais de 30 peças em brechós online. Ela mora no município de São Luiz, região Sul de Roraima, e compra pelo Instagram as peças que deseja em Boa Vista.
“Tenho mais de 30 peças que comprei em brechós e todas eu uso sempre, as minhas roupas favoritas eu comprei assim. Encontro peças de grife com valores que cabe no meu bolso. Grife a preço de banana”, conta a servidora pública.
Para ela, os preços acessíveis são um diferencial e Izoleide já sente o impacto dessa economia no bolso.
“As vantagens dos brechós é justamente se vestir bem com roupas de qualidade por um preço bem acessível. Senti uma diferença significativa na economia, nas poupanças aqui de casa desde que comecei a comprar em brechós. É fashion e vicia”.
A jovem Beatriz Freitas compra em brechós desde sempre. Ela conta que ficou feliz com o aumento nesse tipo de vendas, pois não era fácil encontrar em Boa Vista.
“Eu compro em brechó há muitos anos e no início não era tão fácil encontrar roupas para o meu estilo porque tinham poucos na cidade e os brechós que eu conhecia recebiam roupas de São Paulo e não eram todos os tipos”.
Ela relata que por isso começou a se especializar e customizar as peças que adquiriu em vendas de usados.
"Eu comecei a customizar as roupas então cortava e costurava a mão, logo em seguida adquiri a máquina então eu consigo pegar uma peça as vezes muito maior que o meu tamanho só pelo tecido e transformo ela em alguma coisa que me sirva", relata a jovem.
Foto: Reprodução/Redes Sociais
A paixão pelos usados surgiu desde que a jovem Mandiki Mesquita, de 23 anos, era criança. Ela aprendeu sobre a importância da reutilização com a família e hoje é dona do seu próprio brechó online: o Exposta.
“Eu sou consumidora de brechó desde que eu me conheço por gente. Na minha família, por exemplo, eu sou a mais velha das netas, então a gente sempre teve essa coisa de uma roupa não dar mais então ela pode ser passada a diante, sempre estar nesse processo de utilizar e ser reutilizado, a roupa não precisa ser usada apenas uma vez. Isso me levou ao brechó, eu era bem nova, tinha 15 anos quando comecei a pesquisar sobre brechós”.
“Eu comecei minha lojinha em 2019. É uma lojinha totalmente virtual chamada Exposta Brechó e eu sigo com a lojinha firme e forte. Esses tempos ela ficou mais parada, mas eu pretendo retomar com as atividades normais muito em breve”, conta Mandiki Mesquita.
Para ela, comprar roupas de “segunda mão” é uma questão social e ambiental.
“Sinto que esse tipo de venda está muito relacionado a classes sociais e também a preservação do meio ambiente. É uma questão de economia e de bom gosto também, pois uma roupa bonita é sempre bonita. A gente sempre pensa em utilizar, reutilizar, reciclagem e isso me levou ao brechó, acabei me apaixonando, que é basicamente algo que eu praticava a minha vida inteira”.
Ela conta que, pelo o que observa, o “boom” dos brechós não só em Boa Vista como em todo o Brasil, está ligado ao “prazer da descoberta”.
“As pessoas estarem descobrindo os benefícios de um brechó vem muito dessa ideia de descoberta. A gente entrou agora em uma geração que se importa, que está o tempo inteiro tentando se renovar, aprender e melhorar. Está muito mais preocupada com as consequências das nossas atitudes na terra”.
Os consumidores da lojinha de Mandiki não são muito diversos. Ela consegue fazer o recorte claro: a maioria é mulheres jovens. Mas ela enxerga que isso está mudando com a modernidade.
“Eu costumo dizer que roupa não tem gênero, mas a maioria das mulheres que compram na minha lojinha são mulheres, jovens, geralmente numa faixa etária de 15 à 28 anos. Alguns meninos já compraram comigo e essa parte que eu acho mais legal, comprar saia, short…”
“Geralmente as camisetas que eu escolho eu digo que é uma ‘curadoria de Agostinho Carrara’, que se encaixa para tudo”, relata.
Ela destaca: o retorno financeiro ainda não é o suficiente. Mas fazer o “lucro afetivo” vale a pena, de acordo com Mandiki.
“Hoje em dia o brechó funciona mais como uma porta aberta para o interesse. Essa coisa de pesquisar sobre, descobrir quem tem... no quesito de fonte de renda, para mim ainda não compensa muito, pois quando se trata de curadoria de brechó a gente tem que pôr na caneta transporte que te levou até ir atrás de tal lugar, a própria mão de obra, de você ir procurar uma peça que você acha legal já é um esforço. Tudo isso é colocado no papel”.
Brechó como cura
Foto: Fernanda Vasconcelos
A empresária Luina Silva é dona da loja de usados Beka Kids Brechó. Conheceu essa forma de comércio quando, grávida, descobriu um câncer e precisou tratar em São Paulo, onde visitou o seu primeiro brechó.
"Eu comecei com o brechó em 2020. Em 2019 eu grávida descobri que estava com câncer na amígdala e eu corri para São Paulo. Minha bebê nasceu lá e ao longo desse tratamento eu conheci um brechó infantil, passava na frente e ficava perguntando 'será que tem algo interessante?' foi aí que surgiu a ideia, com um processo de cura", conta.
Ela relata que antes, por desconhecimento, tinha preconceito com peças usadas, mas tudo mudou e hoje é especialista em roupas infantis.
"Geralmente as pessoas olham como se fosse coisa velha e só. Eu entrei nesse brechó em São Paulo, gostei e nunca mais saí de lá. Fui comprando coisas muito baratas. Quando o tratamento acabou, graças a Deus estou curada, eu voltei para Boa Vista e resolvi abrir um brechó infantil. Me apaixonei por essa modalidade de brechó".
A entrevista completa com Luina Silva você pode conferir no vídeo abaixo.
Para acompanhar os brechós Beka Kids e exposta siga no Instagram:
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