Lideranças de 12 regiões se reuniram no Centro Regional Lago Caracaranã, de 5 a 7 de outubro para conhecer detalhes sobre a atividade
O I Seminário Estadual de Etnoturismo de Roraima foi promovido pelo Conselho Indígena de Roraima para esclarecer dúvidas sobre a prática, que é uma novidade para muitas comunidades, mas que já acontece desde 2019 em Roraima.
Um projeto piloto foi implantado na Comunidade Indígena Raposa I, com apoio do Governo do Estado, que por meio do Departamento de Turismo, estabeleceu as diretrizes para a prática do etnoturismo em Roraima, em obediência a Instrução Normativa 03/2015 da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, que disciplina a atividade.
Na abertura do evento, o coordenador de turismo da Comunidade Raposa I, Enoque Raposa, falou da experiência na implementação da visitação, os desafios no convencimento das pessoas, em especial aos mais velhos e sua resistência à nova atividade.
Ele explicou ainda sobre o processo de adequação à legislação pertinente, e ainda a preparação da comunidade para a recepção dos visitantes, envolvendo toda a comunidade, dos jovens aos mais velhos na elaboração do Plano de Visitação, definindo os roteiros, os protagonistas, a forma de recepção e acomodação dos turistas, bem como as atividades culturais a serem apresentadas.
Convidado para o evento, o diretor de turismo da Secretaria de Cultura e Turismo de Roraima, Bruno Muniz de Brito, falou sobre o desafio de abrir o potencial do turismo em terras indígenas, o que até 2019 era um tabu dentro do contexto dessa atividade em Roraima. Em sua fala ele apresentou a evolução da tecnologia no sec. 20, o que permitiu o crescimento do turismo como atividade econômica, dentre eles os meios de transporte mais rápidos e as tecnologias da informação.
O diretor abordou ainda sobre temas básicos sobre o turismo para desmistificar alguma imagem ou concepção negativa, desde os pontos positivos, como a geração de emprego e renda e a preservação da cultura local, como os negativos, dentre elas problemas com aumento dos resíduos sólidos e questões com álcool e drogas, que devem ser pensados dentro da proposta das comunidades que desejem aderir ao projeto, para mitigar seus efeitos.
Representando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Vagner Sena, da Coordenação de Etnodesenvolvimento, disse que no contexto dessa atividade, o órgão tem a função de apoiar as comunidades no desenvolvimento da atividade, de acordo com o potencial de cada uma, observando aquilo que elas tem a oferecer, a cultura, as tradições, a culinária, que tem um grande valor para os turistas. “A regulamentação da atividade não veio para criar dificuldades, mas sim para proteção dos indígenas contra possíveis crimes”, disse o coordenador.
Segundo ele, com a visitação desregrada sem controle, podem ocorrer vários problemas, como a extrusão de animais e plantas que possuem algo valor do ponto de vista econômico, como o conhecimento de princípios ativos de plantas medicinas, a chamada biopirataria.
O coordenador ainda destacou que para um plano de visitação, que é a base da visitação turística, ser exitoso, é preciso que não apenas os membros da comunidade que irá desenvolver a atividade estejam de acordo, mas também as do entorno, para que se evitem problemas de transito no território, já que o direito de usufruto dos bens constantes no território é coletivo. procurador do Ministério Público Federal para Questões Indígenas e de Minorias Alisson Marugal, disse que o papel do órgão é apoiar as comunidades em suas questões internas, dentre elas a do turismo, que é um ponto controverso, onde alguns concordam, outros não. Ele entende que a atividade traz seus benefícios, gera renda e protege mais eficazmente o território, mas traz seus riscos, dos quais os indígenas precisam estar conscientes.
“Eles precisam sopesar os riscos e benefícios que eles querem assumir para ter essa atividade na sua comunidade, mas tudo passa pela concordância das comunidades afetadas, e essa aceitação pauta o trabalho do Ministério Público”, disse o procurador.
Experiências de sucesso
Durante o seminário também foram apresentadas experiências de gestão do turismo por entidades dos municípios, dentre eles a da Secretaria de Turismo e Meio Ambiente de Pacaraima, apresentada pela Diretora de Turismo Karinna Stael. Desde o ano de 219 o trabalho resultou na realização de várias ações como a elaboração do Plano Municipal de Turismo, da criação do Conselho Municipal de Turismo e a lei do condutor local. Além disso hoje Pacaraima possui 33 roteiros turísticos consolidados e em operação.
O seminário também serviu para que as lideranças tomassem conhecimento das experiências de etnoturismo de sucesso em Roraima e no Amazonas. Na ocasião, representantes das comunidades indígenas da Boca da Mata e Kawê, em Pacaraima apresentaram o trabalho desenvolvido nas suas localidades.
A gestora da Comunidade Kawê, Karinna Stael Makuxi, disse que graças ao turismo a comunidade pôde resolver problemas sérios de invasão do território por não índios, que apenas deixavam lixo, sem nenhum beneficio para as pessoas. Kawê fica localizada na fronteira com a Venezuela e sofreu a invasão desordenada de migrantes do país vizinho.
Segundo ela, graças a visitação organizada, foi possível também organizar toda a atividade, envolver as pessoas em funções distintas e complementares, além de promover a geração de renda. Hoje Kawê conta com cinco roteiros distintos que são comercializados ao público externo.
Representantes da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN e do Instituto Socioambiental – ISA, apresentaram o trabalho realizado junto aos 23 povos indígenas da região da Cabeça no Cachorro, no Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela. Ali são desenvolvidos projetos de Turismo de Base Comunitária e de pesca esportiva, que unem todas as comunidades envolvidas.
Além disso, é feita a visitação do Pico da Neblina, o mais alto do Brasil, pelos índios Ianomâmis da Comunidade de Maturacá, no sul da reserva. A construção do Plano de Visitação na TI Ianomâmis foi construída ao longo de sete anos, e suspensa em 2020 em função da pandemia de Covid-19. As atividades tiveram inicio no ano de 2022, com 42 pessoas subindo o Pico. O recursos arrecadados são distribuídos entre as pessoas envolvidas na atividade.
Também foi apresentado no evento o Projeto Siiké de observação de aves no Parque Nacional do Monte Roraima, nas terras do povo Ingaricó, desenvolvido com recursos da Fundação Boticário.
O projeto em fase de implementação, deve culminar em abril, com a realização de uma expedição formada por seis observadores de vários países, liderados pela Ornis, agencia especializada em turismo de observação de aves, para que seja estudada a viabilidade e sustentabilidade do projeto.
O coordenador do CIR, Edinho Makuxi, destacou que a entidade está fazendo a discussão sobre a atividade do etnoturismo para que as lideranças possam estar a par de como funciona, para que eles tenham a segurança para decidir se querem ou não a visitação nas terras indígenas. Com a concordância das lideranças, será elaborado um plano de gestão das áreas e até mesmo a criação de uma empresa para gerência da atividade.
Segundo ele, hoje Roraima tem 36 terras indígenas, o que totaliza mais de 10 milhões de hectares de terras, e o turismo é uma das alternativas para o desenvolvimento sustentável das comunidades. “Nosso objetivo é esclarecer como funciona essa máquina e empoderar cada um nesse assunto. Além do seminário teremos as para conduzir essa decisão com as comunidades, já que o tema ainda é considerado invasão pelos mais antigos que viveram a invasão dos não índios”, disse o coordenador.
Segundo ele, a realização do Seminário não indica uma decisão da instituição a favor da implementação do etnoturismo, mas sim um dever do CIR trazer as informações à conhecimento das pessoas, para posterior decisão em assembleia especifica. “O Objetivo é ouvir nossas lideranças, não somente as que são da base do CIR mas outras organizações, para que possamos criar um plano que possa beneficiar as comunidades indígenas de fato”, disse o coordenador.
Edinho falou ainda que a expectativa é transformar o que é invasão como um potencial financeiro, natural que a entidade quer trabalhar e conservar de forma positiva, fazendo a gestão da atividade pelas próprias comunidades, e com os recursos advindos poder construir escolas, postos de saúde, como fonte alternativa para fortalecer a economia e trazer autonomia financeira.
Opiniões divididas
Durante o seminário, a cada palestra os participantes tomavam conhecimento das informações sobre o que é turismo e a forma de sua efetivação. Porém, nem todos veem com bons olhos a iniciativa. Muitas foram as pessoas que se colocaram contra a atividade. Na memória, a recente história d aluta dos povos da região pela retomada de suas terras e o medo de uma nova invasão.
A tuxaua Aldirene Barbosa da Silva, volta pra casa mais convicta em manter a sua comunidade Boca da Mata atuante na atividade do etnoturismo. A atividade é uma experiência nova que está se levando para a comunidade em busca de melhorias. Atualmente a gestão do turismo está em fase de conclusão do Plano de Visitação da localidade para adequar às exigência da FUNAI. “Precisamos organizar da melhor forma possível para que possamos atender nosso público alvo”, disse a tuxaua.
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