Produção experimental pretende revelar os segredos do debate democrático em meio à polarização política.
Por Ana Paula Lopes, Ingryd Silva e Cleber Portugal *.
No turbilhão da revolta popular durante a Revolução Francesa, algo maior do que a simples derrubada de uma monarquia absolutista estava em curso. Dentre as entranhas de uma sociedade em completa convulsão, uma força política que forjaria os séculos seguintes começou a tomar forma: a polarização política. Contudo, ao contrário do que pregam, essa cisão, que passou a dividir as sociedades do Ocidente a partir do século XIX, não emergiu da política institucionalizada. Tudo começou com um grito por justiça e igualdade.
No coração desse percurso, a imprensa foi um dos protagonistas, tão incendiário quanto decisivo.
O parto ideológico: girondinos e jacobinos
A revolução, que começara com promessas de liberdade, igualdade e fraternidade, logo se fragmentou e deu lugar a um espetáculo de disputa de narrativas e poder. Segundo o professor e historiador doutor Alfredo de Souza, por um lado, havia os girondinos, que pensavam que uma revolução poderia vir por meio de eleições mais moderadas, institucionalização e persistência de certa estabilidade política. O outro lado, de acordo com Souza, os Jacobinos radicais “mais propensos à violência”, não tolerariam nenhuma alternativa que se desviasse da completa subversão da ordem existente, mesmo que isso significasse banhar as paredes da França de sangue.
Nas tensões dessas duas facções, a disputa de ideias nasce como a polarização que conhecemos hoje. Mas o que transformaria uma divergência de opiniões políticas em uma guerra ideológica de proporções épicas? A resposta pode estar na imprensa.
Castells, em sua obra Comunicación y Poder , defende que o poder, nas sociedades contemporâneas, está profundamente relacionado ao domínio da comunicação e à capacidade de moldar seus discursos. Girondinos e Jacobinos não apenas lutavam por ideais, mas pelo controle da opinião pública. A imprensa, nesse cenário, tornou-se uma arma poderosa desse duelo. Para o autor, verdadeiro poder não reside unicamente nas instituições, mas na habilidade de moldar as percepções e a cosmovisão da sociedade. A Revolução Francesa demonstra, assim, que a luta pela hegemonia política era, em grande medida, uma disputa pelo controle das narrativas, algo que se mantém central até os dias de hoje.
A imprensa como arma: a retórica do combate
Longe de ser um luzeiro na cobertura dos eventos, a imprensa revolucionária se tornou o facho que ateou fogo à polarização. Naqueles dias, jornais e panfletos deixaram de ser meros veículos de notícias e passaram a moldar percepções, propuseram ódio e amplificaram a distância de uma conciliação. Publicações como o jornal O amigo do Povo, Ami du Peuple em francês, de Jean Paul Marat não fazem concessões: o discurso era brutal, se você discorda, então você é traidor e deve ser banido.
A imprensa passou de ferramenta de convicção para espada, afiada e sem piedade, nas mãos daqueles que compreendem o seu poder. Por meio dela, a guerra política se tornou uma disputa de ideias e essas ideias, repetidas até ganharem uma proporção quase religiosa. Marat instigava abertamente à violência contra os inimigos da revolução. Enquanto isso, os jornais conservadores tentavam, em vão, mitigar a fúria crescente.
Nos áudios a seguir o professor Luis Francisco Munaro nos ajuda a entender melhor essas questões.
A dialética da revolução e da comunicação
Durante esse período, o impacto da imprensa não se limitou à disseminação de ideias. Ela transformou a disputa política em um espetáculo aberto ao público. Foi nesse momento que a sociedade passou a ver a mídia não apenas como uma fonte de informação, mas como um juízes de embates que definiam o futuro do país.
Esse contexto histórico oferece uma reflexão sobre a relação entre a comunicação e a polarização política. As raízes do fenômeno são claramente visíveis no final do século XVIII. Assim como na Revolução, hoje a mídia exerce um papel ativo na criação de narrativas que fomentam a divisão. Para além disso, naqueles dias, os jornais tornaram-se juízes, determinando quem eram os vilões e os heróis. Quais são as semelhanças dos dias atuais?
No áudio a seguir o professor Luis Francisco Munaro nos ajuda a pensar sobre possíveis respostas.
Delimitando os conceitos: Direita versus Esquerda
O professor e historiador Alfredo de Souza conceitua o que cada um desses espectros representa, ouça o áudio a seguir:
Lições de 1789 para hoje
A interseção entre a imprensa e política, que vimos emergir na Revolução Francesa, continua a reverberar até hoje. Naqueles tempos, os jornais foram as vozes que dividiram uma nação, hoje, na era digital, a comunicação de massa continua a ecoar a guerra ideológica que começou em 1789.
Assim como na França revolucionária, vivemos em meio a uma crise política e ideológica. Observamos que a mídia contemporânea, agora dispersa em suas múltiplas formas digitais, não se distancia do que emergiu durante a Revolução. Se, no passado, figuras como Marat exerciam influência por meio de panfletos, hoje os influenciadores, com apenas um clique, podem mobilizar as massas e transformar discordâncias em divisões ideológicas profundas.
A Revolução Francesa nos oferece uma lição quase profética: a imprensa raramente é uma mera espectadora na dinâmica da política, muitas vezes, ela é a faísca que a desencadeia.
A reflexão que se impõe, fazendo um paralelo com Castells, é sobre o imenso poder que a mídia exerce na criação de realidades. A história nos ensina que a fronteira entre informar e incitar é tênue. Quando essa linha é cruzada, a mídia pode se transformar em uma força mais destrutiva do que qualquer exército.
Portanto, a análise do passado não é apenas uma excursão histórica, trata-se de um espelho do presente, sobretudo como um alerta incômodo. A Revolução Francesa ilustra que o controle da opinião pública pode ser mais decisivo do que confrontos militares, e a imprensa, com seu poder de construir narrativas, segue sendo uma das forças mais influentes ao longo da história.
* Grupo 1. Conteúdo experimental produzido no escopo da disciplina
JOR53 – Jornalismo Especializado I.
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